moacir-saraiva

Quem teve infância no campo e tenha vivido algumas experiências envolvendo muita água, muitos córregos, muitos riachos, certamente conseguirá mergulhar com mais propriedade na compreensão afetiva do que vai ser dito aqui.

Vivi no sertão do Piauí, nos campos da cidade das carnaúbas – Campo Maior - de março até dezembro, chuva lá é algo muito raro de acontecer, assim, as árvores ficam sem cor e a maioria das lagoas secam, riachos que surgem apenas no período das chuvas também se esvaem, permanecendo com água apenas os rios mais caudalosos e lagoas maiores. Quando começa a chover, geralmente, no dia primeiro de janeiro chove bastante tudo fica alegre, o capim transforma-se rapidamente em verde, as árvores, mesmo pequenas, ganham um colorido alegre, o cheiro da terra muda e muito, enfim dá prazer caminhar, de pé descalço pelos caminhos existentes, pisando na terra.

Os pássaros cantam mais forte, todos os animais que vivem do capim ganham mais corpo e ficam mais alegres quando começa a chover. A atmosfera é outra, a alegria fica mais intensa, o próprio tempo fica palatável aos olhos, palatável também aos pulmões, estes ficam vibrantes, mais sadios, dando mais saúde a todo o organismo.

De todo o conjunto que compunha aquela comunidade, os que mais ficavam felizes eram as crianças, que danavam a correr desembestadas pelos campos, como tivesse ocorrido o estouro de uma boiada, todos correndo sem rumo, sem de nada se desviar. As crianças, na época, só os meninos, saíamos após o café e ganhávamos o mato, empunhando baladeiras – aqui chamadas de estilingue; badoque – com bastante munição, tempos de alegria. Após os primeiros momentos, chegávamos a um riacho e entrávamos nele com a água nas coxas, nos curvávamos e bebíamos água ali mesmo naquela correnteza, sem medo de nada, nem de verme tampouco tinha preocupação se a água era limpa ou suja, apenas bebíamos com muita alegria e prazer, certamente, esta foi a água mais gostosa que já bebi em minha vida.

Nesta semana vi uma cena que removeu a estes momentos aludidos acima, vi alguém com muita alegria no rosto, se limpando e se jogando água, não tão abundante como aquela do riacho da minha infância, agora, água escassa, mas a alegria era a mesma. Além da pouca água, algo diferia também daquela época, pois não eram crianças bebendo no riacho e sim um homem., no entanto, a alegria era a mesma.

O que mais diferenciava era o riacho, o sujeito da cena era alguém cujo semblante mostrava ser um destes que vivem zanzando na rua sem rumo, com deficiência mental e o riacho dele era uma água corrente de um esgoto na sarjeta. Ele em pé, pegava a água suja com a mão bebia desta água, lavava a barba, às vezes saltitava, sempre com o sorriso aberto.

A alegria no riacho era a mesma, na infância movida pela novidade da chuva, pela pureza da idade e, agora, toda a alegria movida por uma completa perda de noção da vida.

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