Janelas Abertas-Tyson

Kevindespertou lentamente, olhou as horas pela terceira vez e decidiu levantar. Enfim, férias. Entrou no banheiro, se olhou no espelho, jogou água no rosto, e tomou um banho. Colocou café na cafeteira e foi na varanda pegar o jornal. Ligou o som, colocou Legião Urbana. Foi até a cozinha e colocou uma xícara de café. Sentadono sofá, lia as notícias. Lembrou que nunca conseguia ler e ouvir música ao mesmo tempo. Abaixou o volume e chegou a um acordo consigo mesmo.

Havia feito uma reserva em uma pousada no paraíso. Estava solteiro há algum tempo. Não se considerava um solitário, e sim, sozinho. Gostava de estar só por tempos indeterminados. Era inverno, sua estação preferida. Estava pronto para mais um desafio da alma.

Depois de ter colocado o necessário na mochila, se certificou de não ter esquecido nada. Viajava de barco, e tirava fotos da paisagem durante a viagem. A vegetação, o rio. Os peixes, as redes, o céu. O menino, o mergulho, o sorriso e o pensar. O horizonte, as gaivotas, o mar. A ilha.

A recepção natural da ilha já era deslumbrante. Subiu algumas ladeiras, desceu outras escadas, tirou as sandálias, areia da praia. Chegou e jogou a mochila na cama. Fazia frio, o vento sentia, exatamente como ele sempre queria. Mar bravo, agitado, cheio. Correu e deu um mergulho, o mergulho; lavando as manhãs, as tardes, os dias.

Já era noite, e ele contemplava a lua. Ela olhou para o lado, e ele hipnotizado. Ele seguia com os olhos aquelas pegadas na areia, andando lentamente, até sumir na escuridão.

Lojas vazias, sorveteria. O hippie, as correntes. Uma dose de uísque, e uma boa leitura. Fascínio interior presente. Ela novamente, passando em frente... Seguindo cautelosamente.

No quarto, depois de um dia prazeroso dentro do seu estado de espírito, e uma noite inesquecível, ele decide escrever um poema:

No morro de inverno/ quando os passos diminuem na areia/ quando o sol se esconde/ quando todos somem./ Chegando incerto/ céu laranja/ tarde caindo/ nada sorrindo./ Quando o vento sopra/ a noite e o vento/ na frente da pousada/ com um livro na mão./ Deserto na ilha/ alguém se aproxima/ linda, encantadora/ maravilhosa!/ Seu casaco/ seus braços cruzados/ o frio, seus cabelos ao vento/ um olhar para o lado./ Um sorriso/ em meio a toda nostalgia/ suas pegadas na areia/ e passa.../ Caminhando na praia/ chego em outra praia/ e logo, outra/ então, volto./ Nada sei sobre a claridade do dia seguinte/ o que me interessa é a noite/ é toda aquela iluminação artificial/ é toda aquela ausência de pessoas, e toda aquela paz natural./ A estação que todos rejeitam/ a época que todos se deitam/ o tempo que todos ignoram/ o momento que me revigora./ Passo por lojas vazias/ restaurante/ sorveteria/ pizzaria./ O hippie sem clientes/ mas o espírito, firme, contente/ aproximo-me/ compro uma corrente./ Sento-me em belas cadeiras artesanais/ peço uma dose de uísque/ abro o livro e mergulho em outro universo/ estranhamento me pego disperso./ Era ela novamente/ passando em frente/ o olhar recíproco confortante/ pago a dose e sigo adiante./ Primeira praia/ segunda praia/ terceira praia, quarta praia/ temo ser confundido com um delinquente./ Paro em meu destino/ esperando ficar apenas com aquele silêncio mútuo/ mas ela também para/ e logo está diante de mim./ Sua mão esquerda toca o lado direito do meu rosto/ e sua boca beija o lado esquerdo/ ela se afasta de frente/ então vira, e caminha até desaparecer na escuridão lentamente./ Sento-me na areia/ lua cheia/ refletida no mar raso/ mar calmo./ Mare baixa/ o guaiamu saindo da mata/ atravessa a praia/ desaparece na água./ Vejo o brilho das estrelas/ levanto e banho os meus pés/ volto, paro no meio e olho para os lados/ subo as escadas e entro no quarto./ Quando os passos diminuem na areia/ quando o sol se esconde/ quando todos somem/ a estação que todos rejeitam./ A época que todos se deitam/ o tempo que todos ignoram/ o momento que me revigora/ no morro de inverno.   

Antes de ir embora, ele a veria novamente, e ela o levaria nas ruínas do forte, um lindo lugar da ilha, onde ele pôde contemplar um novo horizonte, e sentir o calor do seu corpo e o gosto dos seus lábios. Emilie ainda o levaria no farol. Ela o contou uma lenda, que dizia que, quem tocasse em uma pedra, que ficava em um determinado lugar da ilha, viraria concreto.

Na fonte do céu, um lugar mágico, Kevin ficou encantado. Uma cascata com águas cristalinas iluminavam agora o brilho em seus olhos. Seguiram adiante e avistaram uma gruta. Emilie disse que estranhamente não se lembrava daquela gruta. Já havia passado por ali várias vezes, e não conseguia compreender. Kevin se aproximou e estava decidido a entrar, enquanto Emile se afastava. Ela disse que aquilo era assustador, mas Kevin, parecendo estar sob possessão de alguma força sobrenatural, continuou. Quando finalmente saiu, Emilie o perguntou o que ele havia visto lá dentro, ele disse que não poderia descrever. Quando Emilie voltou os olhos novamente para o lugar, a gruta havia desaparecido. Finalizaram o passeio indo na ilha da saudade (uma ilha dentro da ilha).

Voltaram para a pousada e Jogaram um pouco de xadrez ao som do “Ventura”, terceiro álbum do Los Hermanos.

– Vamos combinar que o “Quatro” é o melhor – disse Kevin se referindo ao quarto álbum. – Eu não acho. Embora considere poeticamente mais maduro..., o ápice do conjunto. Aponta pra fé, e rema – acrescentou Emilie.

Claramente ele era mais jogador que ela, ele foi quem a ensinou a jogar. Quando Emilie fazia uma jogada equivocada, ele sempre a alertava. Ela havia praticamente acabado de aprender a jogar, mas ousava: – Disciplina – disse Emilie. – Eu substituo a palavra “disciplina” pela palavra “organização”. Organização soa como liberdade, disciplina soa como obrigação. Você discorda? Exceção. Ainda não entendeu? Interpretação – disse Kevin.

Mas ela não gostava, e dizia que era para ele jogar com todo o seu potencial, e parar de alertá-la. Dizia que facilitar as coisas era um fator negativo para os dois lados. Que o jogador mais habilidoso desenvolvia mais o seu jogo ao jogar sério, e consequentemente faria com que o jogador com menos habilidade também desenvolvesse melhor a sua maneira de jogar.

Emilieo contou que semanas atrás quase havia morrido afogada. Estava nadando sozinha, quando percebeu que já estava muito distante da praia. Começou a nadar contra, com todas as suas forças, mas não conseguia voltar. Foi quando desistiu, e veio uma grande onda, e estranhamente a trouxe de volta. Ela disse que passou a acreditar em Deus naquele dia. E então o perguntou: – Você acredita em Deus?

–Às vezes tudo o que você precisa ouvir de Deus é um “aguente firme”. Geralmente as pessoas esperam um “aguente firme” e um “tudo vai ficar bem”. Devemos compreender que o “aguente firme” pode se esperar de Deus, mas quanto ao “tudo vai ficar bem”, isso depende de nós – respondeu Kevin.

– E em destino, você acredita? – perguntou Emilie.

– Quando era garoto, perguntava a minha mãe o porquê dos personagens principais nunca morrerem nos filmes. Ela respondia que não morriam porque eram personagens principais. Hoje sei que essa não é uma verdade absoluta, pois, alguns morrem. Quanto aos que nunca morrem, é porque não existe alguém capaz de substituí-los – respondeu Kevin.

O barco ia se afastando, e Kevin voltando. Ele olhou para trás, e lá estava ela, com os cabelos ao vento, encostada na ponte, e sorrindo. Ele fez um sinal de “até logo”, olhou adiante e percebeu que não havia sol, fazia frio..., frio... Então, ele sorriu.

 

A Ilha, conto de Tyson Pereira.

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