araken-galvao

Charivari foi uma palavra que, ao despertar, por volta das seis horas, veio logo pairar, como um inseto incômodo, em minha cabeça. Lembrei, então, que este galicismo, ou seja, termo vindo do francês, fora+ muito usado nos anos 30, mais ou menos, e era o mesmo que algaravia.

Algaravia, palavra bem mais antiga, veio do árabe. Porém, cuidado, esta palavra possui a sílaba tónica no I, sendo pronunciada “al-ga-ra-ví-a”. Possivelmente ela tenha chegado ao árabe vindo, por sua vez, do persa, pois está relacionada com o rumor existente nos bazares, que vinha a ser (e inda são) os mercados ou feiras livres existentes nas cidades da antiga Pérsia, hoje Irã, e que é o local de compra e venda dos mais diversos produtos, inclusive metais nobres e pedras preciosas, com destaque para o ouro, tecidos finos e muita especiaria. Sendo hoje o tipo de estabelecimento comercial que dever ter inspirado a criação dos supermercados.

Sua assimilação, no entanto, pode estar relacionada com determinado preconceito que os cristãos tinham em relação aos árabes (os mouros), pois é isto que sugere sua etimologia, já que ela vem da forma al-arabia, indicando, por suposição, que alguém dissera, em algum momento de alguma amena conversação, algo assim: Isto é um comportamento comum da Arábia. Ou seja, alvoroço e confusão era coisa das Arábias.

Aliás, ao falar sobre esta palavra, lembrei ainda que uma das características (uma e não todas) das palavras da língua portuguesa de origem árabe – tema que pode interessar a algum estudante de etimologia ou mesmo a um curioso – é iniciar com a sílaba Al. Assim temos alfinete, alface, alfazema, almotolia, almoxarifado, alvaiade, álcool, e muitas outras.

No entanto, eu estava falando mesmo era de charivari, que significa – ou seja, significava, quando era usada –, o mesmo que balbúrdia. Mas, o que significa mesmo está palavra? Creio já tê-la ouvido em algum lugar, não lembro onde... O que é mesmo? – dirão as pessoas de meia idade.

Acho que é o mesmo que alvoroço.

Alvoroço? Mas então esta palavra é de origem árabe.

Correto. Essa palavra vem do árabe al-buruz, cujas sucessivas modificações de pronúncia resultou na nossa conhecida alvoroço.

Nossa conhecida, não. Porque nem todo o mundo conhece, eu, pelo menos, não a conheço – intervém um terceiro e imaginário leitor.

Bem, dessa forma volta-se a palavra inicial de toda essa digressão: Charivari, que significa: barulho ensurdecedor; barulheira. Manifestação ruidosa; gritaria, alvoroço.

Por extensão, todas as outras palavras aqui citadas até agora significam a mesma coisa. Certo? Sim. Porém, mais ou menos. Senão vejamos: Balbúrdia. Esta vem do latim balbus, o mesmo que gagos, sugerindo que lembrava uma reunião de gagos, lugar onde eram emitidos uma série de sons ininteligíveis.

Toda esta volta apenas para dizer que charivari é o mesmo que bagunça. Palavra que dizemos aos nossos filhos, ou nossas mulheres dizem aos nossos filhos – normalmente frente a nossa indiferença –: Que bagunçaé essa, meninos! –, pois é charivari é bagunça, mas pode ser também: Confusão, desordem, barafunda, caos, embaraço, embrulhada, fuzuê, miscelânea, mixórdia, pandemônio, presepada, trapalhada, desgoverno, distúrbio, escaramuça, espalhafato, forrobodó, frege, rebuliço, fuzarca, baderna, chinfrineira, papagaiada,quizomba, feira.

Isso feito, a outra coisa que me veio à mente esta manhã, ao despertar, foi uma velha canção que, imagino, foi uma das primeiras músicas feministas do Brasil.

O título era: Antigamente Era Assim, música de 1943, composta por Custódio Mesquita (1910-1945) e Ary Barroso (1903-1964). E a letra dizia: “Tempo da charanga, do limão de cheiro, tempo de recado[1],/ Bilhetinhos pra seu bem amado,/ Sais engomadas, golas no pescoço, faces em rubor,/ Só em pensar no primeiro amor,/ Fita no cabelo, luvas bem compridas, quarto bem fechado,/ Encurtando as nossas vidas,/ Que importava que faltasse o ar,/ O que era preciso era não namorar./ Tiro-lirolí,/ Que bom,/ Tiro-lirolí,/ Perdão,/ A vovó me desculpe, mas esse tempo não servia não!/ Tempo que passou, doce tão amigo, que não voltas mais,/ Da valsa e da saia balão,/ Tempo que se foi, era especial, em que a mulher,/ Não mandava no seu coração,/ Se o papai queria, mamãe concordava, e o noivo aparecia,/ Já vestido para casar,/ Não importava que não se gostassem,/ Primeiro casar, para depois amar./ Tiro-lirolí,/ Que bom,/ Tiro-lirolí,/ Perdão,/ A vovó me desculpe, mas esse tempo não servia não”.

Se levarmos em conta a data que a música foi composta, 1949, e constatarmos que, naquela época, já existia artistas que proclamava o desejo das mulheres em dispor com mais liberdade do seu comportamento vemos que a busca por maiores direitos, em particular os direitos a decidir a quem amar e como amar, é bastante antigo.

Lembro-me que minha irmã mais velha, hoje já falecida, mas naquele tempo com uns 22 anos, cantava muito esta canção, tendo sempre o cuidado de, na introdução na letra da música, como a alertar a minha mãe, a meu avô e a minha avó – pois éramos órfãos de pai e terminamos sendo criados por nossos avós paternos –, que ela não aceitava (ou suportava com muita revolta) as travas que se impunham às moças em matéria de comportamento em sociedade. Em particular, quando, em épocas de festas, as jovens em idade de casar, moradoras nas fazendas da região, saíam das rédeas curtas dos responsáveis, para irem para Jequié. Claro que lá ficavam sob a vigilância de parentes; mas cidade era cidade, as casas onde ficavam tinham mulheres que facilitavam um pouco, já que tinham passado pelo mesmo controle. Além do mais os bailes sucediam naquilo que chamavam de “melhor sociedade”, embora todos soubessem que era preciso dar alguma liberdade porque as jovens precisavam arranjar maridos.

Porém, mesmo assim, sabendo que havia alguma cumplicidade de sua prima, já casada, na casa de quem ficava, minha irmã cantava, modificando, como o disse, a letras da música, improvisando o verso que dizia: “Tempo que passou, doce tão amigo, que não voltas mais,”, afirmando: O tempo que se foi era o carrancismo que não volta mais.

E, ao chegar a este ponto, posso perguntar, o que significa carrancismo? Embora os dicionários diga que é todo “Aquele que mesmo estando errado quer impor sua regra”. Ou indivíduo “Turrão; sisudo; ultrapassado que quer continuar a dar as cartas”. Mas para minha irmã significava pessoa que defendia o atraso, que seapegava aos costumes do passado. Aliás, como esse sentido entendíamos todos nós no sertão.

 

 

Valença, 28 de janeiro de 2016

 

 

© Araken Vaz Galvão

[1] Esta letra, depois de muito trabalho, consegui localizar no Google, porém na minha memória eram bem diferentes. Parece-me que tinha algumas alusões ao tempo da escravidão. Não duvido que tenha recebido modificações em nome do tal de politicamente correto. Será?

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