Eduardo Pereira - matutando

Há algo nos homens que age à revelia deles próprios, algo a partir do que eles agem sem saber  que o fazem.  (Freud)

Jamais pretendemos esgotar o tema, nem tampouco elucida-lo por completo, haja vista a complexidade do assunto. Buscamos sim, trazer à tona a discussão e, se possível levarmos as pessoas bem intencionadas à reflexão. Sabemos que por inúmeras razões é bastante difícil para um indivíduo, um grupo de indivíduos ou uma dada classe social ao mínimo admitir que odeia o outro e muito menos ainda,  admitir-se racista. Entretanto, as atitudes do cotidiano expõem claramente, o ódio e o racismo reinante no seio da sociedade brasileira.

Por outro lado, com os avanços na comunicações digital, os movimentos deflagrados com o incentivo da mídia, o ódio aflorou no brasileiro, dantes visto como o homem cordial, na dicção de Sérgio Buarque, ou seja, perdeu-se o pudor em verbalizar-se o ódio e as redes sociais, claramente demonstram, essa fase. Observa-se, por exemplo, o ódio que setores da classe média nutrem, pelos pescadores, marisqueiras congêneres,  e pelos pobres em geral.

Certa feita, estávamos na Praia do Guaibim, numa noite, numa das barracas daquele aprazível lugar, uma amiga nossa nos apresentou uma cunhada sua. Na conversa da mesa de bar, essa criatura nos disse que pobres fazem filhos para ganharem “dinheiro do governo”.

De imediato indagamos se ela havia observado que segundo o IBGE, as taxas de natalidade veem caindo nos últimos anos. Mais uma vez, a nossa interlocutora retrocou que não confiava em estatísticas do governo. Dissemos que, se ela não “dava bola” para estatísticas do órgão oficial, nossa conversa se encerrava naquele ponto, por falta de oportunidade em estabelecermos um diálogo. Porém antes de encerrar tínhamos o dever de esclarecê-la que o costume de se fazer filhos vinha de muito longe, onde senhores e seus filhos faziam filhos em mulheres escravas para venderem.

Buscando entender o porquê de tanto ódio, encontramos as pesquisas da filósofa Márcia Tiburi. Referidas pesquisas a nosso ver são bastante esclarecedoras. Essa filósofa classifica um determinado grupo social como fascistas, no sentido pós-moderno do termo, para ela, esse grupo tem como principais características o medo e a negação da sua alteridade, ou seja, a negação do diferente, consequentemente odeiam os que não são do seu grupo..

Esse trabalho de Tiburi,  lançado ano passado pela Editora Record, tem como título, Como conversar com um fascista, acreditamos ser uma boa fonte de explicação de determinados comportamentos, notadamente por parte da elite ou da suposta elite e fica como dica para leitura.

Recordamos que determinado dia conversávamos com alguém do povo sobre o ódio que certas pessoas nutrem pelos pescadores e a pessoa do povo de imediato fez a seguinte colocação: “Não são os pescadores que pescam os peixes para eles comerem?”

Essa colocação por parte de um popular nos levou a profundas reflexões, principalmente sobre a irracionalidade do ódio. Não devemos olvidar que boa parte desse ódio origina-se no racismo que, devido ao mito da democracia racial que, fazem todos crer que o Brasil é um paraíso das raças, o cidadão não percebe atitudes racistas, muito embora, as relações raciais estejam presentes em todas as relações interpessoais no Brasil.

A realidade é que muitos dos meus amigos que nunca passaram fome, que nunca andaram a pé para a escola, que nunca sua genitora necessitou ir pescar um camarão com um cesto, num riacho, para fazer um angu para dar a um filho, cujo pai nunca colocou um “munzuá” para pegar um siri para dar de comer a um filho, boa parte desses nossos amigos fica extremamente indignada ao saber que pobres pescadores recebem o “defeso” ou uma mãe recebe o Bolsa Família. Como esses nossos amigos acham que compactuamos com esse ódio aos pobres falam essas asneiras em nossa presença o que nos deixa perplexos, em ver tanta raiva ao outro.

Muito provável que a origem de todo esse rancor esteja na origem da sociedade brasileira, pautada na escravidão, no genocídio das sociedades indígenas, no massacre de forma geral. Por outro lado, a nossa religiosidade que impunha uma dissimulação digna do farisaísmo, como bem pontuou Florestan Fernandes: “O feio no Brasil não é ter preconceito e sim demonstrá-lo”.

Na atualidade, as empregadas domésticas, tratadas pela maioria dos patrões como gente de “outra categoria”, além de dormirem num minúsculo cubículo, hodiernamente chamado por “dependência”, são proibidas de usarem o “elevador social”, não podem almoçar na mesa, comendo as  sobras na cozinha, dentre tantas outras humilhações, jamais dignas de uma família que se autodeclare religiosa e que na prática, agem como apostatados, pois não operarem com amor em relação ao outro.

Nós próprios, tivemos uma saudosa tia que trabalhava numa residência de tradicional “família valenciana” e, testemunhamos de perto o tratamento dado pela “civilizada família” à minha tia, tratamento esse, baseado no binômio exploração/ dissimulação. Para quem não viveu essa amarga experiência, indicamos um filme  que segundo Manu Thomaziello: (Disponível em: http://ujs.org.br/index.php/noticias/o-odio-contra-os-pobres-nao-e-invencao-da-esquerda-por-manu-thomaziello/) traduz de forma clara e didática o ódio e ojeriza contra os pobres e a condição de desigualdade social que a elite brasileira acha vantajoso manter estruturada. Continua o autor:  O filme mostra a relação de uma empregada doméstica com seus patrões. A empregada mora no trabalho e é considerada parte da família, mas vive em condições completamente diferentes de seus patrões e é vista como um ser inferior: dorme num quarto minúsculo, não almoça com os seus patrões, é chamada a qualquer hora do dia ou da noite para atender pedidos, cuida 24 horas por dia do filho da patroa.

*Publicado na edição impressa nº 599, do jornal Valença Agora.

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