Eduardo Pereira - matutando

Eduardo Pereira

Historiador, jurista e psicanalista em formação.

 

Meu tio Apolinário Pereira, nascido e criado na antiga Vila Velha do Jiquiriçá, mudou-se para o Município de Una, na década de 1950, à procura de terras, pois na região onde nascera imperava o latifúndio, e porque não dizer o feudalismo. Na Fazenda Itapecerica onde morava desde o cinco anos de idade, por exemplo, só  era permitido o plantio de culturas temporárias, a exemplo da mandioca, verduras e hortaliças, entretanto, de tudo o quanto produzisse, Sr. Juca da Matinada, todo sábado recolhia a terça parte dizendo que era da fazenda.

Cansado de tanta exploração, meu tio viajou a pé, com uma surraca(uma espécie de uma grande mochila confeccionada com saco de linhagem)nas costas, mais de cinquenta léguas pela estrada da linha, partindo, da Estiva, hoje Vila de Camassandi, até o município de Una, em meses de sofrimento ao sol, à chuva e ao sereno, vindo a assentar-se, em terras devolutas do Estado. Mesmo assim teve que comprar a posse ao velho “LourençoBiboca”, por cinco contos de Réis.

Anos depois, as terras onde “Pulunaro”, como era conhecido na Região, foi invadida pelo Dr. Homero da Fonseca, medida, titulada e registrada em cartório e doada ao Instituto Nacional da Imigração, a fim de assentar-se uma Colônia de japoneses. O INCRA ficou encarregado pela implantação do assentamentono município de Una e, contratou um engenheiro agrimensor de nome Cícero Toledo, conhecido por Dr. Toledo.

Indignado ante a ameaça de perder suas terras, onde prosperara, meu tio “Pulunaro”, arreou seu cavalo “Diamante” e rumou à cidade, distante légua e meia da sua propriedade. Após tomar um trago de cachaça na venda de “João Perna de Pau”, no Povoado da Buraca, segue para a sede do município e chegandona residência do Dr. Toledo,  pergunta à sua esposa, D. Cândida:“cadê Toledo?” Resultado, Dona Cândida fica revoltada com a petulância de Apolinário, não por este perguntar por seu marido, mas por não chama-lo de doutor Toledo, liga para a polícia e o delegado, prende Apolinário que foi parar no xilindró, vendo o “sol nascer quadrado” e tomando café em canequinha.

A população ficou revoltada, não com a prisão ilegal, mas com a “ousadia” de Apolinário em tratar Dr. Toledo por Toledo e a decisão do delegadofoi imediata: Entregou Apolinário para o Departamento de Ordem Política e Social(DOPS),  acusando-o de ser comunista e subversivo.  Torturado, inclusive tomando choque elétrico nos “quimbas”, para entregar os seus camaradas, o pacato cidadão Apolinário, que era apenas um agricultor, ou um lavrador conforme ele mesmo se identificava,perambulou entre quartéis de Jequié e Feira de Santana, até ser encarcerado na Galeria F da Penitenciária Lemos  Brito na Capital, de onde só sairia anos depois, com a anistia, sem terra e sem teto, pois aproveitando-se da sua condição de detento, um próspero comerciante local, reivindicara para si os direitos que meu tio exercia sobre as terras alegando serem terras devolutas e mediu-a, titulou e registrou em seu nome.

A presente narrativa é uma obra de ficção, entretanto,retrata bem a cultura da grilagem existente nesta região e acredita-se que em tantos outros lugares deste Brasil. Como disse o Prof. Dr. Darcy Ribeiro: “enquanto nos Estados Unidos se podem ocupar terras, numa área equivalente a dez hectares, no Brasil, mesmo que o caboclo esteja numa área de terras há décadas, basta aparecer alguém com um título registrado em cartório e será o dono”.

A questão agrária que não se resolve no Brasil, onde latifúndio versus minifúndio, muito têm contribuído para o êxodo rural, transformando o roceiro em favelado, quando entende-se que, o correto seria investimentos por parte do Estado, com uma implantação de políticas públicas capazes de transformar o roceiro em camponês. A consequência do êxodo rural, dentre outras, é o aumento da violência urbana que, se tenta combater em vão, pois combate-se quando muito,apenas os efeitos e não as causas desse flagelo da humanidade que cresce a cada dia.

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