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Costuma-se dizer que os brasileiros não cultivam o hábito de ler e, quando o fazem, lêem sempre essa subliteratura chamada de “Auto-Ajuda” ou “Esotérica” ou mesmo aqueles best-seller do tipo “Tons de Cinza”. Mas, os poucos que cultivamos esse salutar vício, sabemos que não há satisfação maior (salvo o do curto prazer do sexo, assim mesmo quando se é jovem) do que aquele que nos oferece um bom livro. Tanto pode ser a leitura de um clássico (para os mais cultos ou refinados); como uma obra de peso da literatura moderna do tipo de um Joyce[1], Proust[2], Kafka, Mann, Camus, Tchékhov, Mussil, Durrell, Graciliano, Borges, Carpentier, Guimarães Rosa, Roa Bastos, Carlos Fuentes, Vargas Llosa, García Márquez[3], pelo conjunto de suas obras, e alguns outros ao gosto de muitos, ainda que sejam obras espaças como, por exemplo, Soldados de Salamina, do espanhol Javier Cercas. Pode ser um livro de aventuras, de mistério, policial ou romântico ou mesmo daquele tipo que Graham Greene chamou de “entretenimento”, para os que procuram apenas algum tipo de passatempo.

anuncieAliás, a obra do próprio Greene – que ele classificou daquela forma, em oposição a que ele chamou de “séria”, faz parte dos livros que sempre apreciei, particularmente aquele que ele próprio classificou como de entretenimento –, porque, afinal, um bom escritor sempre consegue prender a atenção do leitor, em particular o leitor “eu”, que possui particular atração por uma história bem contada.

E ao afirmar isto, ainda sob o risco de contrariar abalizadas e carrancudas opiniões, os bons contadores de histórias são os meus preferidos. Vejamos, por Gabriel García Márquez, por mais revoluções (não importa que chamadas com o neologismo inglês de boom), sua obra sempre nos apresenta tramas descomplicadas, ou seja, história simples, ainda que com abordagem insólitas, cuja possível complexidade está apenas no caráter inusitado da realidade retratada, como é de se aceitar, já que o seu realismo o próprio leitor classificou como fantástico.

Esta mesma visão narrativa ocorre com Jorge Luís Borges, Felisberto Hernandez, Alejo Carpentier, João Guimarães Rosa, Augusto Roa Bastos e mesmo Carlos Fuentes. Esses autores, de uma forma ou de outra, estão como nos dizendo: há uma realidade social absurda, além de injusta, é sobre ele que desejo falar.

Autores como Graciliano Ramos ou mesmo Mario Vargas Llosa, embora a temática de suas obras pouco ou nada tenha de fantástico, não raro nos expõem situações inverossímeis, porque o nosso universo latino americano está repleto dessas situações.

Não foi por acaso que Millôr Fernandes, em e-mail em que me agradeceu o envio do meu livro “Crônicas de uma Família Sertaneja”, além de algumas palavras iniciais gentis referindo-se a meu trabalho como um exemplo do fantástico, disse: “(...) até parece que você mora nele”. E o fez por que aquele renomado escritor sabia, como ninguém, que escrever sobre a realidade latina americana não se pode fugir do insólito, do absurdo, do mágico, do fantástico do maravilhoso, do inverossímil, do nonsense.

Ao fazer estas observações, deixo implícito que, mesmo contrariando o ponto de vista daqueles especialistas de opiniões carrancudas – dos quais já falei linhas passadas –, devo confessar que não morro de amores pelo conjunto da obra de um James Joyce, por exemplo, porque o seu ponto forte é a estrutura narrativa, sua obra máxima, Ulisses, por exemplo, não tem história, trata-se apenas de uma complexa estrutura de estilo. Proust, juntamente com Elza Pound também pertence a essa classe de escritores preocupados com a forma. Cito uma vez mais o primeiro, além de fazer esta referência ao segundo, mesmo tendo em vista que ele foi poeta, não se enquadrando no gênero literário a que não me refiro – já que de poesia nada sei –, ainda que reconheça sua importância, inclusive histórica, já que as primeiras grandes obras da humanidade foram escritas em verso.

Por outro lado, autores há que o são de uma só obra, enquanto outros, mesmo sendo prolixos, na verdade passam toda a vida tentando escrever esta obra sonhada, não raro somente conseguindo escrevê-la de forma dispersas em vários livros.

No entanto, sobre este assunto de se desejar escrever somente um livro, já falei em várias ocasiões, inclusive registrei que foi no escritor argentino, Ernesto Sábatos, que encontrei esta afirmativa. Não tenho razão para continuar martelando neste assunto. Interessa-me, sim, falar de autores que escreveram uma obra fundamental, não importa que, como Lampedusa, seja autor de uma obra apenas, ou, como Cervantes, tenha escrito poucas obras ou mesmo aquele que escreveram em profusão, porém apenas uma ficou para a posteridade.

É preciso, porém, se ter em conta que não há escritores, salvo a possível exceção de Shakespeare, que tenha escrito somente obras-primas. Mas é preciso também se ter em conta que o autor inglês, em que pese seu gênio, não só se notabilizou como autor de teatro, mas pelo fato de ter sido inglês, o pode nos levar a ser um pouco maldoso, já que a Grã-Bretanha foi a primeira grande potência dos tempos modernos, fazendo com que seu idioma tenha se imposto, por nosso tempo, como se impuseram no passado o grego e o latim, proporcionando a desgraça mundial de que este idioma, e a cultura originária por ele gerado, tenha predominado até nossos dias devido a que aquele país, ao entrar em decadência, tenha passado o bastando de mando mundial ao seu filho bastardo, os Estados Unidos.

E já que falamos nos Estados Unidos e a predominância da língua inglesa, cabe, talvez, registrar que este país possuiu um grande número de escritores, cuja abundância de livros não corresponde a um número correspondente de obras-primas. Autores como Steinbeck[4], que nós deixou apenas um obra de fôlego, “As Vinhas da Ira”; Hemingway[5], que nos legou “O Velho e o Mar”; Caldwell[6], com “A Estrada do Tabaco”; Faulkner, talvez o único que se possa ler toda a sua obra com certo equilíbrio.

 

Valença, 23 de abril de 2016

 

© Araken Vaz Galvão

[1] No caso específico deste autor, minha honestidade obriga-me a confessar que a minha parca inteligência não capitou nenhuma beleza em sua obra mais comentada, “Ulisses”, ainda que tenha gostado muito de “Retrato do Artista quando Jovem” e “Dublinenses”.

[2] Sobre Proust, a bem da verdade, pouco posso falar, já que li apenas os dois primeiros tomos da sua falada (e muito referenciada) obra, “Em Busca do Tempo Perdido”, não possuindo gabarito intelectual para discorrer em profundidade sobre este autor.

[3] E – porque não? – o prazer que nos é proporcionado a leitura de um soneto de Mustafá, uma reminiscência da saudosa confreira Macária Andrade; penetrar o mundo leve e despreocupado de Moacir Saraiva ou no intrincado e bem humorado de Alfredo Gonçalves de Lima Neto. Sim, porque não?

[4] Deste autor, como ocorre com vários outros em vários países, pode se ler com bastante prazer, “A rua das Ilusões Perdidas” e “A Pérola”.

[5] Deste autor pode se ler com bastante prazer, Adeus às Armas’ e “Por quem os sinos dobram”.

[6] Pode-se ler ainda “Pequeno Rincão de Deus” que em Portugal recebeu o belo e poético nome de A Jeira de Deus.

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