Um capataz fujão Valença Agora 16 de janeiro de 2017 Colunistas, Matutando Irmão caçula de dona Lucinda, Tibúrcio fora criado por esta, desde a mais tenra idade que, além de criá-lo, também o batizou, o menino a chamava por dindinha e tomava a bênção e, assim cresceu com o maior respeito e reverência à sua dindinha. Ao completar dez anos de idade, o pré-adolescente foi estudar no ginásio particular existente na cidade onde moravam que, naquele ano, exigira uma prova escrita para os estudantes que pleiteassem adentrar naquele estabelecimento de ensino. Resultado: Tibúrcio foi classificado em primeiro lugar. Dona Lucinda com bastante sacrifício mantinha o seu afilhado no referido estabelecimento de ensino, pagando em dia as mensalidades. O jovem correspondia com as maiores notas da sua turma. Aos treze anos de idade, o jovem conclui o Curso Ginasial, correspondendo ao atual Ensino Fundamental. Uma festança, os formandos de beca, faixa, discursos emocionados e, o nosso personagem foi o escolhido para orador da turma, sua dindinha regozijante mandou colocar uma faixa na entrada do bairro onde moravam. Tibúrcio que nos finais de semana costumava frequentar a roça do seu tio, o “seu Miúdo”, situada na Região do Fojo, município de Camamu, tinha a vocação para ser técnico em agropecuária e ajudar o seu tio com técnicas no plantio e cultivo do cacau. Depois de muita luta e ficar dois anos sem estudar, finalmente Tibúrcio aos quinze anos, vai estudar na Escola Federal, em Itapebi. Sacrifícios vencidos por dona Lucinda que, às duras penas, conseguira comprar o caro enxoval, necessário para o estudante apresentar no momento da matrícula. No trote, o jovem além de ter a cabeça raspada com máquina zero, recebe o apelido de “Galalau”. Daí por diante ficou conhecido por todos os colegas por seu apelido. A dedicação aos estudos continua e o rapaz é o destaque na sala de aula, cortejado por todos que, sempre lhes solicitavam as famosas “colas” das provas. Três anos se passaram e chega a hora da formatura. Dona Lucinda, além de alugar o melhor vestido na cidade de Valença, alugara também a van de “Antônio Catador” que ruma a Itabebi, entupida por parentes, uns garbosos, outros invejosos e uns tantos assustados. Nem necessita dizer quem foi a madrinha de formatura e teve o privilégio de entrar no salão com Tibúrcio – a dona Lucinda. Mais um técnico agrícola, com inscrição no órgão de classe, primeira pessoa da família a se formar – Uma realização incomparável, choro do formando, madrinha e parentes. Era o ano de 1977, e as fazendas, substituíam o termo tarefa por lote, cabo-de-turma por chefe de equipe, capataz por supervisor, bem assim, empregado por colaborador. Novo linguajar, nova forma de dominação. Aliado a isso, os capatazes, todos práticos, ou seja, formados na “escola da vida”, aos poucos foram sendo substituídos por técnicos, todos jovens, recém formados, cheios de sonhos e ambições, fáceis de serem moldados à bricolagem da forma de exploração socioeconômica sobre a massa trabalhadora, desassistida e analfabeta. É nesse contexto que o jovem Tibúrcio retorna a seu local de origem, trazendo na mala o seu “canudo”. Poucos meses depois foi chamado para fazer um teste numa das empresas ligadas ao ramo agrícola. Passou em primeiro lugar, como eram duas vagas, o segundo lugar ficou com seu amigo e colega de turma Jacinto, que no trote recebera o nome de “Coscobeu”. Os dois amigos são contratados, para o exercício da função de supervisor, em substituição ao antigo capataz “seu” Teobaldo. “Galalau” que durante seu curso técnico participara do movimento estudantil, e se politizara, começa a viver um conflito interno entre o antigo militante e o profissional no exercício da mesma função exercida dantes pelo capataz. Observara que todos trabalhadores, ou colaboradores, como queiram, tiveram “suas carteiras de trabalho dada baixa” e foram contratados na condição de parceiros, por via de consequência, sem os mais elementares dos direitos trabalhistas. Além do mais, todos eram obrigados a comprarem gêneros alimentícios no posto de abastecimento da fazenda, alcunhado pelos trabalhadores por “cai duro”; moradia em condições precárias. “Galalau” procura o seu chefe e reivindica melhoria para os trabalhadores e de logo é advertido que essa não é a sua função, muito pelo contrário, sua função é atingir as metas e assim, aumentar os lucros da empresa, se quisesse permanecer na sua função. Nosso personagem não consegue ter paz interior, a tão sonhada formatura, o emprego, não lhe trouxera realização, muito pelo contrário, se enxerga como um algoz. As metas não são alcançadas, não é um eficiente para o “capitalismo terceiro mundista”. É advertido por um dos Diretores da empresa: “siga o exemplo do teu colega ‘Coscobeu’, que mesmo tendo igual tempo de empresa que você, tem mostrado bons resultados e atingido todas as metras do semestre e, em breve será promovido a chefe de setor”. Essa conversa fez com que “Galalau” passasse aquela “noite sem pregar os olhos”, e no dia seguinte, veste seu tradicional uniforme de capataz e parte em direção aos lotes. No meio do caminho resolve um tomar outro rumo e, assim, ultrapassa a guarita da empresa, passa pela porta de sua amásia, “Maria Dez”, que morava na beira do variante, faz um aceno de “adeus” e sai em desembestada carreira em seu velho, porém “arrumado” jipe, e ganha a estrada, deixando para trás, além da amásia, não somente o emprego, como também todas as suas roupas, panelas e utensílios. Ao chegar em casa, estaciona o jipe na porta da casa da sua madrinha, segue à pé para a estação rodoviária e embarca no primeiro ônibus que aparece com destino a Salvador. Na capital hospedado em casa de parentes, trabalha duro na construção civil, até que certo dia conhece a dona Morgana uma milionária, divorciada que, como se diz, se “engraça” pelo jovem e atlético Tibúrcio. Depois de meses de namoro, resolvem coabitar. Assim, ajudado por sua companheira, o rapaz consegue realizar seu sonho de estudar numa faculdade e finalmente conclui o curso de arquitetura. Antes porém, retorna à sua terra natal trazendo para sua dindinha, com o convite para sua formatura. Prantos de alegria da sua madrinha, pelo aparecimento do jovem. Atualmente, o Dr. Tibúrcio é casado com a dona Morgana, com quem teve um casal de filhos, reside na capital paulista, onde é um dos mais famosos arquitetos do país, inclusive, com doutorado em famosa universidade do exterior, livre-docente por conceituada universidade paulistana, mesmo com tantas atribuições, pois além de tudo é um renomado conferencista, dedica-se nos finais de semana às atividades comunitárias na área da construção civil. O presente trabalho trata-se de uma obra de ficção, semelhanças por ventura, são apenas coincidências. *Publicado na edição impressa nº 602, do jornal Valença Agora. 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