Chita de vestido de festa junina, chita de toalha de mesa ou chita de cortininha de pia. Flores, florzinhas, florzonas. Às vezes até xadrezinhos e poás. Todo brasileiro que se preze viu, tocou ou ao menos ouviu falar dessa tal de chita. Volta e meia, ela é coroada máxima expressão de brasilidade. Outras vezes, ela é só um tecido baratinho, de estampas descontroladas. Mas a verdade é que o tecido percorreu um longo caminho antes chegar ao Brasil. A história da chita inclui viagens marítimas, antepassados orientais e muitas, muitas cores.

O caminho das Índias

Os portugueses, durante seus intercâmbios comerciais com a Índia, começaram a levar para a Europa tecidos de algodão ricamente estampados. As religiões dominantes na Índia eram o hinduísmo e o islamismo, que proibiam motivos figurativos. Dessa forma, as estampas mais comuns eram motivos florais, galhos, folhagens, arabescos e desenhos geométricos.

Esses tecidos vindos da Índia rapidamente caíram no gosto dos europeus, e assim como a pimenta, o açafrão, o curry e a canela, espalharam-se pela Europa inteira. O tecido indiano, chamado originalmente de chint, ganhou correspondentes na França, apelidados de deindiennes e na Itália, batizados de mezzaros.

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O roteiro da chita. Fonte: Que Chita Bacana (Mellão, Imbroisi e Kubrusly). Editora A Casa, 2005.

Moeda de troca

O Brasil demorou para entrar na rota da história da chita, pois o desenvolvimento têxtil no país foi um pouco tardio, já que os portugueses tinham uma certa rejeição ao trabalho manual e, ainda, os artesãos como tecelões e tintureiros eram estigmatizados. Por outro lado, devido aos acordos comerciais entre Portugal e Inglaterra, os portugueses se viam obrigados a comprar os tecidos manufaturados pelos britânicos, inviabilizando assim a produção própria.

Em determinado momento, o Brasil foi obrigado a importar tecidos de algodão estampado fabricados na Índia e na Inglaterra para servir como moeda de troca com os atravessadores de escravos. O tráfico de escravos, portanto, movimentava a indústria têxtil e por consequência uma tímida Revolução Industrial.

A produção das chitas brasileiras foi, portanto, adiada por diversas imposições portuguesas. Um episódio bem representativo foi quando a rainha Maria I (conhecida como "a louca") assinou um alvará, em 1785, que proibia manufaturas no Brasil e ordenava desmontar e enviar a Portugal qualquer tear que por estas terras estivesse.

Rainha Maria I de Portugal, conhecida como "a louca". Fonte: realbeiralitoral.blogspot.com

Rainha Maria I de Portugal, conhecida como "a louca". Fonte: realbeiralitoral.blogspot.com

Finalmente, os panos brasileiros

Na feitoria dos tecidos, o Brasil contribuía apenas com o algodão. O algodão brasileiro chegou a abastecer as indústrias inglesas e sua produção se espalhou bastante pelo território da colônia. Em Minas Gerais as manufaturas têxteis se desenvolveram bastante, e os tecidos fabricados eram tão bons que chegavam a ser enviados a outras capitanias. Essa ânsia de independência preocupou muito os portugueses, mas os mineiros, apesar do alvará proibitivo da rainha Maria I, continuaram tecendo, ainda que clandestinamente.

No entanto, com o domínio de Napoleão na Europa, a família real portuguesa foi obrigada a fugir ao Brasil. Junto com ela, veio a permissão de produzir tecidos aqui, afinal, o Brasil agora era a capital do império. Os tecidos manufaturados em território brasileiro eram estampados com carimbos, em instituições chamadas de "chitarias". O desenvolvimento industrial ainda demoraria um pouco, mas o primeiro passo estava dado.

Tecido do povo

A industrialização do Brasil atraiu mais gente ao Novo Mundo. Colonizadores europeus eram convocados para suprir a demanda de mão de obra para construção de usinas, ferrovias, ou até mesmo para trabalhar na lavoura. No entanto, os imigrantes gostavam de vestir as roupas vindas de seus países de origem, ainda que não fossem adequadas ao clima brasileiro. A chita, portanto, era usada apenas pela classe mais pobre: ex-escravos, populações rurais ou errantes.

Em 1872 foi fundada a Companhia de Fiação e Tecidos Cedro & Cachoeira, em Curvelo, Minas Gerais. Foi a primeira grande indústria dedicada a produzir chita no Brasil, e embora continue em funcionamento, deixou de produzir chitas em 1973.

Fonte Lucía Andrea - Designer e empresária de moda/Livro Que Chita Bacana (Mellão, Imbroisi e Kubrusly). Editora A Casa, 2005.

Placa de impressão com estampa floral, da fábrica Cedro & Cachoeira. Fonte: Que Chita Bacana (Mellão, Imbroisi e Kubrusly). Editora A Casa, 2005.

Placa de impressão com estampa floral, da fábrica Cedro & Cachoeira. Fonte: Que Chita Bacana (Mellão, Imbroisi e Kubrusly). Editora A Casa, 2005.

Um novo século, novos significados

A história da chita chegou no século XXI como um símbolo fortíssimo da identidade brasileira. Pode ser encontrada em fuxicos de vovó, mas também empresta sua graça a passarelas famosas. Por ter estado sempre presente no imaginário brasileiro, devido a sua história que remonta à própria descoberta do Brasil, é uma daquelas coisas que "veio para ficar". Tornou-se bem brasileira e ainda pode ter uma longa trajetória pela frente. Que venham mais séculos e mais chitas!

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