O tempo, esse senhor cansado Jornal Valença Agora 28 de abril de 2025 Colunistas O tempo, meus caros, já foi um deus. Em tempos de deuses e mitos, o tempo era Cronos — e comia os próprios filhos por medo de ser superado. Não deixa de ser curioso que ainda hoje o tempo nos devore com a mesma fome. Mas não com dentes de titã. Ele nos rói em toques de tela, vibrações de notificação e pequenas distrações que nos parecem nada — e são tudo. Newton, de seu pedestal newtoniano, afirmava com a solenidade dos homens sérios: o tempo é absoluto. Um rio reto, constante, que corre com indiferença a qualquer sentimento humano. Já Einstein, que era mais poeta do que físico (não se deixem enganar pelos cabelos), jurou que o tempo é um malandro: estica, encolhe, dobra nas esquinas do espaço. E Karl Marx, de sua janela empoeirada, via o tempo como patrão disfarçado — um chicote sem cabo, batendo invisível nas costas de operários. Mas e agora? O que é o tempo agora, neste exato minuto em que você, leitor distraído, se perde nesta crônica enquanto deveria estar respondendo aquele e-mail urgente? O tempo, hoje, é uma moeda sem rosto, entregue nas mãos da distração. Roubamos dos patrões, sim — não com greves ou revoluções — mas com scroll infinito. Cinco minutos no Instagram, três no WhatsApp, dois no TikTok, mais sete lendo comentários alheios sobre a vida de quem nunca veremos. E pronto: meia hora evaporou-se como perfume barato no vento. E ao contrário do tempo roubado pelas elites, que se esconde nos paraísos fiscais, o tempo que roubamos é um furto em vão. Não se acumula, não rende juros, não nos salva. Apenas se dissipa. Um minuto por vez. Um like por vez. O escritório moderno é uma zona franca de devaneios. Trabalha-se com planilhas abertas e a mente vagando pelas ilhas gregas do Pinterest. Há quem passe horas decidindo a foto do café da manhã, enquanto o relógio, impiedoso, ri de nossa ilusão de controle. Até no trânsito, senhores! O carro freia, e o motorista, em vez de frear também a ansiedade, aproveita para espiar se a influencer do momento já postou a nova dieta da lua minguante. Perdemos o tempo de viver porque não suportamos mais viver no tempo real. Esse tempo cru, esse tempo sem filtros, sem memes, sem curtidas. _ Ah, Gregório José, e você? - Perguntaria alguém, atrevido. _ Eu? Eu, meus amigos, ainda tento conversar com o tempo. Pego ele pela gola, às vezes. Outras, ele escapa entre meus dedos, como versos que não se deixam escrever. O tempo hoje não é absoluto, nem relativo, nem opressor. É distraído. E talvez, nesse mundo onde tudo chama atenção, o verdadeiro revolucionário seja aquele que consegue, por alguns minutos que sejam, sentar-se consigo mesmo — e apenas estar. Sem tela, sem pressa, sem pose. Só ele, o tempo, e o silêncio. Deixe uma resposta Cancelar resposta Seu endereço de email não será publicado.ComentarNome* Email* Website