A Pedra da Viúva Jornal Valença Agora 15 de julho de 2016 Araken Vaz Galvão, Colunistas Aliás, esse sonho inusitado de marchar quase quatro mil quilômetros, levando a parte da família – mulher, sogra, as filhas e o filho caçula – por etapas, em uma viagem que durou um ano – isto por volta de 1940 –, somente encontraria paralelo na saga dos Buendías, narrada por Gabriel García Márquez, em Cem Anos de Solidão, publicado em 1987, como ficção. Por outro lado, esta não ficção protagonizada por minha família, quando eu tinha quatro anos, é um dos motivos de muito orgulho para nós. Eu sempre que me lembro dessa saga emociono-me. O lugar escolhido para esta cidade chamava-se Pedra da Viúva devido a um majestoso acidente geográfico – uma monumental pedra de granito pousado sobre uma planície em uma região mais ou menos plena, às margens do rio São Mateus – em seu braço norte, em plena mata Atlântica –, da qual, segundo a lenda, um valente índio caíra de lá do alto, 250 metros, deixando sua inconsolável companheira chorando sempre. Hoje, neste local existe um povoado, com o nome de Cotaxé, e ninguém sabe quem foi o primeiro morador daquela região. O seu nome era Oswaldo Vaz Galvão Sampaio, sua esposa – que também ficou viúva seis meses que lá chegou, chamava-se Altamira Passos Galvão, dona Mira; ambos falecidos. Seus filhos eram: Conceição Augusta Vaz (falecida); Weber Erasmo Galvão; Herber Galvão; Kleber Galvão (falecido); Maria Teresinha Galvão (falecida); Celuta Galvão; E eu, Araken Vaz Galvão, a que, por ordem judicial, tive meu nome acrescentado dos sobrenomes Sampaio e Passos, ficando Araken Passos Vaz Galvão Sampaio. Cujo objetivo imediato será fazer, em 20 de maio de 2016, 80 anos. Mas, tudo isso é acrescentado porque neste início de 2016, uma grata coincidência alcançou-me: Recebi a visita de um casal de capixabas, ele nascido em Ecoporanga, onde se localiza o povoado de Cotaxé, ainda Pedra da Viúva, hoje no estado de Espírito Santo. Esta nova localização fez lembrar-me de um fato: Durante muito tempo àquela região foi contestada entre Minas Gerais e o Espírito Santo, cada um reivindicando a possessão daquela grande área, a qual na prática e por força do princípio do uti possidetis, devia pertencer a Bahia, pois era habitada em sua maioria por baianos. Aliás, no tempo em que Tancredo Neves viveu seus momentos mais importantes, li em algum jornal e revista que não me lembro qual, havia a informação de que, por não haver na época no IBGE nenhuma comprovação de a quem aquela área pertencia, os representantes daqueles dois estados foram consultar os arquivos da Torre do Tombo, em Lisboa, e descobriram que realmente aquelas terras pertenciam a Bahia. Como o nosso Estado nunca reivindicara a área os dois Estados presentes lá na Torre do Tombo acordaram em dividir entre os dois aquela terra até então de ninguém. Durante muito tempo, porém, aquela fora mesmo uma terra de ninguém, significando isto que não havia lei nem autoridade, salvo a do mais forte, manobrada por quem algum recurso possuísse. Dentro desse cipoal de todos mandarem um pouco e ninguém o fazer de forma verdadeira e, muito menos, civilizada, houve um período que um professor chegou que a “sábia” conclusão – o que por certo demonstrava o grau de sapiência desse mestre-escola – que não sendo de ninguém, ele e os moradores da região, a maioria seus seguidores, deveria proclamar o “Estado Independente de Jeová”. Não sei como as autoridades receberam essa novidade, sei apenas que este estado nunca chegou a existir. Neste relato, tenho buscado confidenciar (ainda que de forma não muito confidencial, é claro) alguns episódios relacionados com minha vida, desde as primeiras lembranças – em sua maioria, tênues – de minha infância na fazenda São Bernardo, do meu pai, no município de Rio Novo (atualmente chamado Ipiaú), aqui na Bahia, até os dias de hoje, já decrépito, residindo em Valença, também na Bahia. Partindo da inocência das fraldas – por assim dizer – até quando eu já tinha conseguido compreender, ainda que de modo confuso, que existia algo chamado mundo, ao qual, frente a ele, todos teríamos que proceder como um toureiro valente diante de um miúra, e, como dizem (que dizem) os ingleses: agarrá-lo pelos chifres(1), tomando dois cuidados cruciais: não se deixar ferir muito, já que alguma ferida seria inevitável e, sendo homem, não se deixar contaminar por alguma síndrome rara que faça surgir em suas próprias frontes algum apêndice “duro e recurvo, também chamado de corno”, conforme nos informa o Aurélio. Superados (ou evitados) estes dois inconvenientes, a vida poderia até ser boa e suave, já que o mundo é belo, pelo menos era isso que diziam, aqui e acolá, várias pessoas. E, ademais, conforme cantara o poeta popular(2), a vida era bonita era bonita e era bonita. Existiam mulheres, muitas mulheres, e, com elas, havia prazer e problemas, entre eles, os filhos inclusive, já que era preciso, obrigatório mesmo, perpetuar a espécie. Entretanto, como ensinara “O Pequeno Príncipe”, nada era perfeito(3). Tinha também, no mundo, quando ele não se desembestava contra a gente como um demônio louco (ou um miúra ensandecido), os rios, os montes, as cascatas, ou seja, todo aquele cenário idílico constante na canção de Adelino Moreira, que Nelson Gonçalves cantara. Havia ainda as praias, onde as mulheres (sempre elas) mostravam tudo (ou quase) daquilo que podia nos atrair. Havia as flores, as borboletas e os beija-flores. Havia ainda os campos e as serras, por cima das quais o sol se punha escurecendo os primeiros, ou despontava pelas manhãs, mas – em algumas ocasiões –, proporcionando o milagre de fazer surgir a lua, que os embranquecia, tornando ambas as situações capazes de nos enlanguescer, com o risco de tornar-nos românticos, no mau sentido, ou seja, piegas. Valença, BA, 20 de março de 2016 © Araken Vaz Galvão (1) Parece que a expressão inglesa take the bull by the horns, teria o sentido de “tomar (agarrar) o touro pelos chifres”. Na Internet é dito que é algo assim como a nossa expressão popular: Botar a carroça na frente dos bois”, porém não concordo muito, parece-me que a expressão inglesa tem a ver com encarar, de qualquer forma o problema de frente, por mais difícil que ele seja ou aparente ser. Já nossa está relacionada com inverter a ordem natural das coisas. (2) O poeta popular em questão foi o Gonzaga Filho, cujo nome artístico ficou sendo mesmo Gonzaguinha, o qual, por sinal ou por má sorte, morreu muito cedo, deixando de bom mesmo, neste mundo fodido, a beleza de suas músicas e das letras escritas para elas. (3) É preciso não conservar velhos preconceitos contra Saint-Exupéry, só porque as candidatas aos concursos de miss de antigamente, isto é, do meu tempo de jovem, afirmavam ter lido o seu livro mais famoso. Elas não o tinham lido, sequer o folhearam, porém eram instruídas para responder algo assim, afinal ficava mal dizer que nunca leram livro algum. Deixe uma resposta Cancelar resposta Seu endereço de email não será publicado.ComentarNome* Email* Website