carlos-magno

Coetzee, ganhador do Nobel de Literatura em 2003, escreveu na primeira pessoa do singular, a história de um professor que vinha de bicicleta e foi atingido por um carro. Ele viu que foi arremessado para o alto. Sentiu que iria cair e tudo ficaria bem. Mas não ficou. Ele caiu de uma maneira que o deixou paraplégico. Tudo aconteceu em um átimo. A vida mudou em um segundo.

Pois a ficção não é mais dura que a realidade. Meu tio e padrinho  Neném vinha da fazenda, muito perto de Piracanjuba, não mais que 11 quilômetros. Ele dirigia uma camioneta moderna e segura. Atrás, seguia-o outro o irmão, meu tio Zezinho. Haviam passado o dia na propriedade do meu padrinho. Como era costume. Uma fazenda com um grande lago, onde, para pegar peixe é só jogar o anzol. Casa confortável. Lugar de receber amigos para comerem peixe frito com cerveja e conversarem coisas sem importância que não fosse passar o tempo. Lugar de estar junto com os filhos. Lugar de dormir durante o dia, nos fins de semana.

Não sei se naquele sábado houve visitas. Não sei se ficaram só os dois. Não sei se tomaram cerveja e se comeram peixe frito. Sei que os dois irmãos passaram o dia na fazenda. Talvez tenham conversado sobre a família. Talvez o Zezinho tenha falado sobre o tempo que morou nos EUA. Com certeza conversaram e fizeram planos. Meu padrinho, um homem empreendedor. Dono de várias fazendas. Zezinho começando nova fase da vida depois de voltar de um período nos EUA. Ambos, homens maduros. Saudáveis. Padrinho, com cerca de oitenta anos, o irmão, com aproximados 70 nas costas. Ambos com a vida bem vivida.

Ao anoitecer, foram embora. Dormir em casa, na cidade, como era o costume. Tio Neném saiu na frente. O farol dos carros na estrada em reforma. Zezinho vinha com os faróis baixos para não incomodar o irmão à frente.  Tudo dentro dos conformes. Tempo fresco. Um leve relaxamento do corpo depois de um dia de descanso e talvez de um mergulho no lago.  Não tinham pressa. A cidade estava perto. Uma légua. Zezinho, talvez, pensasse na reforma interminável da casa, desde quando chegou da América do Norte. Solteiro, sem mulher para lhe pegar os calcanhares, vem fazendo a reforma ao ritmo dela.

A camionete do irmão seguia à frente. Cinquenta metros. De repente, a camionete deu um galeio para um lado e para o outro. Virou. Virou. Virou mais uma vez. Talvez mais uma.  Zezinho freou o carro. Ficou estático. Não entendia. Mas tudo daria certo. Não deu. Tudo estava consumado para o irmão.

Tão de repente, a noitinha de vida, virou noitinha de morte. A vida é mais dura que a ficção.

*Publicado na edição impressa nº 599, do jornal Valença Agora.

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