Eduardo Pereira - matutando

Eduardo Pereira

Historiador, jurista e psicanalista em formação.

 

A função do historiador é lembrar à sociedade aquilo que ela quer esquecer

(Peter Burke)

 

De antemão lembrar-se que, muito embora o autor deste texto tenha no seu currículo uma graduação em História, o presente não se trata de um trabalho historiográfico, por razões óbvias, inclusive o resumido espaço, e sim se busca trazer à tona fatos que ficaram dispersos na oralidade, que indubitavelmente, ainda residem na memória, a fim de que se possibilitem pesquisas, notadamente por parte de estudantes em trabalho de graduação e de pós-graduação.

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Pois bem, quem passa pela BA 001, no município de Jaguaripe, às margens do Rio da Dona, nem de longe imagina a importância de um lugarejo chamadoSão Bernardo, guarda parte importante da história. O autor do presente texto é de família natural daquela região do recôncavo baiano e tem conhecimento de parte significativa transmitida pela oralidade da sua família.

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A Vila de São Bernardo, como consta na historiografia oficial, originou-se do Engenho São Bernardo, de propriedade da Sr.ªRosa Porfíria de Souza. Com o falecimento da referida Sr.ª ocorrido no ano de 1877, seus herdeiros solicitaram o levantamento dos seus inúmeros bens, daí incluindo o Engenho São Bernardo, entretanto, os avaliadores concluíram que não seria possível definir os limites do dito latifúndio, ante a sua extensão, apresentando tão somente as fronteiras existentes com outras fazendas vizinhas. A questão desse feudo será apresentada em outros trabalhos que serão escritos sobre aquela região.

Igreja de São Bernardo

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A festa de São Bernardo, comemorada em 16 de agosto de cada ano,na  década de 1940, era um momento de fé, mas também um momento de encontro das pessoas da região. O pai do autor deste trabalho, Floriano Pereira Silva, mas conhecido por Bobô, na época um jovem nascido na Vila Velha do Jiquiriçá, morador da região da “Bomba”, Distrito da Estiva (hoje Vila de Camassandi), juntamente com seu inseparável amigo Paulino, dentre outros,eram frequentadores da Festa em Homenagem ao Padroeiro São Bernardo.

Uma das diversões depois da Missa, na Praça de São Bernardo, era o encontro dos mais diversos capoeiristas da região. Ao contrário das pinturas de Jean Baptiste Debret, os negros capoeiristas que compareciam à festa em louvor ao Santo Padroeiro, enterravam na roda de capoeira vestidos com seus ternos engomados, a maioria de Linho Belga, outros com os famosos tecidos“Casimira”, também chamado de “Gasimira”, confeccionados por alfaiates da região conhecidos por Mestres. Detalhe o pai do autor começou a usar terno a partir dos cinco anos de idade, terno esse confeccionado por um famoso mestre residente em Valença.

Uma das regras era para jogar capoeira, o capoeirista entregava seu paletó o outro recebia e saia o que entregou o paletó entrava no jogo. Detalhe, a Praça de São Bernardo não era calçada e em época de festa sempre chovia e os capoeiristas lutavam sem se sujarem com a lama da praça, quem por acaso se sujasse, seria perdedor. Segundo o pai do autor deste texto, coisa muito linda. Inclusive com a participação de um dos maiores capoeiristas do Brasil, o Mestre Tiburcinho de Jguaripe.

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Assim, observa-se uma contradição entre a imagem contida nos livros e principalmente nos livros didático, por via de consequência no imaginário coletivo nacional, onde o negro é retratado como maltrapilho, pobre, descalço, molambento, com fatos reais do cotidiano da época.Como se sabe, a história oficial brasileira, escrita pelos senhores de escravos e seus descendentes, apresenta as mais diversas controvérsias, contradições e inverdades, o que leva a crer que a história do país foi manipulada com finalidades torpes.

No caso em questão, estereotipar o negro no imaginário coletivo, sem duvida fez e faz parte do processo de dominação, pois se esses atores sociais conhecessem o verdadeiro passado da sua gente, com certeza teriam a autoestima coletiva aumentada, o que não poderia ser bom para as maléficas pretensões do grupo dominante.

Com a palavra os estudantes em trabalho de graduação e de pós-graduação, na área das Ciências Humanas, notadamente os da região do Recôncavo. Salientando-se que o autor da pesquisa de atemão, coloca-se à disposição para contribuir, se entenderem necessário, com a oralidade, com a finalidade de conforme enunciado por Peter Burke: “lembrar à sociedade aquilo que ela quer esquecer”, o que vale dizer, escrever a história como os fatos aconteceram e não deturpá-la, para servir aos interesses obscenos da classe dominante, o que é bom dizer, é bastante corriqueiro no Brasil.

 

NOTA:

Jean Baptiste Debret, pintor francês que em 1816 integrou a Missão Artística Francesa no Brasil organizada por D. João VI, retratando o cotidiano brasileiro da época.

Foto: David Fadul

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