Por Prof. Francisco Neto: Mestre em Educação Comunitária e Doutor em Direito / Coordenador do Curso de Direito e Docente em Direito Penal da Faculdade de Direito FAESB

Muito se fala hodiernamente sobre crime e suas nuances, e por muitas vezes se confunde os termos jurídicos com termos populares que na maioria das vezes induz ao cidadão comum a erro, por não se aplicar tecnicamente a linguagem jurídica. O Desembargador e Teórico Rizzato Nunes já dizia que "o conhecimento científico é uma espécie de otimização do conhecimento vulgar" , onde podemos também citar o Professor Clovis Brasil que afirma que o Direito é uma ciência dogmática, é por isso deve ter a sua própria linguagem. Com o perpassar dos anos e devido há algumas formações acadêmicas que adquiri no transcorre dos anos, “ do muito que li , do pouco que sei”, ouso a dizer que cada profissão tem sua linguagem própria, onde encontramos facilmente na fala do pedagogo  a “Praxis pedagógica”, o ensino aprendizagem; Na dicção do Filósofo ouve-se muito os termos Aretè (Virtude), Sofia (Conhecimento) e no Direito não seria diferente, como Ordenamento Jurídico, Hermenêutica isso sem falar nos vastos  brocardos em Latim.

Para podermos entender e aprofundarmos um pouco sobre como se dão as Normas jurídicas e os crimes em espécie que acontecem no Brasil temos a priori  conceituar  alguns pontos que estão  na doutrina do Direito Penal Pátrio.

Toda vez que falamos em crime devemos ter no mínimo a noção que todo e qualquer ato delituoso, quer seja crime, contravenção ou infração deve passar por algumas etapas para assim configurar-se como tal no nosso sistema jurídico. Desta forma, é que trazemos à luz o instituto jurídico do “Iter Criminis”, tal termo  vem do Latim e tem como significado “Caminho do Crime” e envolve todo um processo percorrido para a concretização do delito, ou seja, ,configura-se na sucessão dos vários atos e o roteiro que devem ser percorrido e praticados pelo criminoso para atingir o fim desejado.

Segundo o doutrinador André Stefan, o “Iter Criminis” acontece desde os momentos iniciais, quando o delito está apenas na mente do sujeito, até a sua consumação, quando o crime se concretiza inteiramente, passe-se por todo um caminho, por um itinerário, composto de etapas  ou fases.

“... Iter Criminis seria então o caminho percorrido pelo Crime ...”

Prof. Dr. Francisco Neto

O caminho para cometimento do crime consiste em duas etapas que podemos chamar de fase Interna e Externa , onde logo na primeira acontece o momento da cogitação, fase interna da infração, onde só existe crime na esfera psíquica, ou seja na cabeça do individuo, não sendo por esse motivo passível de qualquer punição.

Tomemos como exemplo que um cidadão que chamaremos aqui de João queira matar seu inimigo conhecido por José, onde João toda noite antes de dormir pensa em detalhes de como faria para matar José, imaginando qual tipo de arma usaria e onde jogaria o corpo, caso realizasse o crime (fase de Cogitação), e pensemos mais além, depois de todo esse planejamento em sua mente, João vai até uma loja de material Náutico e compra uma faca tipo peixeira para usá-la como instrumento perfuro cortante contra José ( fase de Preparação) ; No dia seguinte João, bem decidido e com dolo de matar, acorda cedo e vai até a porta da casa de José no outro lado da cidade e de posse da referida arma branca, aguarda seu desafeto sair de casa, e quando finalmente avista José saindo de sua residência a pé, João simplesmente o cumprimenta com um sonoro bom dia e em seguida vai para sua casa e volta a planejar novamente um novo ataque e continua desejando a morte de José.

Vale ressaltar que no exemplo acima  explanado não há o que se falar em crime, visto que apesar de João ter planejado com minúncias a morte de José, tudo ainda estava como diria o filósofo grego Platão: ”No mundo das ideais”, no mundo inteligível e mesmo adquirindo uma arma branca também não configurou crime, visto que adquirir uma faca em nosso país não é passível de punição, até mesmo que se tivesse adquirido uma arma de fogo, sendo ela comprada legalmente, seguindo todos os tramites da legislação  vigente de armamento Nacional, não se configuraria crime, pois ainda os planos se encontravam na esfera da Cogitação e preparação.

“...Cogitationis poenam nemo patitur...”

Desta forma, não se puniria a Cogitação, pois “ninguém sofrerá punição por pensamentos”,  podendo tal fato até ser reprovável moralmente, mas não penalmente, segundo as Normas Jurídicas Brasileiras em vigor.

Já na fase Externa do “Iter Criminis” tem-se um avanço para a preparação do delito, como já foi dito anteriormente que também não é punível e  para as demais fases que são a Execução e Consumação, sendo essas, passíveis de punição.

É na fase de Execução do crime que se estabelece justamente a fronteira entre os atos preparatórios e Executórios, pois o indivíduo não está mais cogitando e tampouco se preparando, mas agindo de fato e a partir do início dos atos de Execução, as condutas do individuo serão passíveis de punição, pois começa a configurar crime as suas ações.

Tomemos outro exemplo como forma de ilustração, onde uma mulher conhecida por Izis, tem seu primo de apelido Zito , como desafeto e então ela prepara uma emboscada, chamando seu primo para a casa de praia, alegando que sua mãe, gostaria de conversar como o mesmo e lá de posse de um facão, o aguarda e desfere três cortes na vítima, sendo dois nas pernas e um no braço, contudo seu primo foi levado as pressas por transeuntes para o hospital com graves lesões corporais , sendo submetido a cirurgias , mas não chegando a óbito, sobrevivendo ao emboscada. Neste caso específico temos em tela, temos um perfeito exemplo de Execução, pelo fato de ter agido com dolo, configurando-se na terceira fase do Caminho do Crime-“Iter Criminis”, sendo passível de punição pelo Direito Penal Brasileiro, pois o  simples fato da autora do fato ter desferido golpes de facão na vitima, já estaria configurado a segunda fase do Iter Criminis que é a Execução, mesmo que a vitima não venha a falecer.

E por fim para completar as fases do “Iter Criminis”, deve efetivamente acontecer a Consumação que nada mais é que segundo o Teórico doutrinador  Guilherme de Souza Nucci o momento em que ocorre a conclusão do delito, reunindo todos os elementos do tipo penal, ou seja quando uma infração penal foi efetivamente cometida.

Na fase final da Consumação não quer dizer que o crime deve ser totalmente consumado e que o criminoso tenha atingido seu objetivo na totalidade, visto a doutrina também entende como Consumação o crime tentado que está tipificado no art .14, II do Código penal Brasileiro, como por exemplo uma tentativa de homicídio.

Em um outro exemplo para melhor entendimento, um individuo de pré nome Antônio, após  discussão violenta com seu amigo Mário pela manhã,  planeja a morte do mesmo e a noite ao encontra-lhe em um bar, lhe desfere uma cadeirada na cabeça com o animus necandi , ou seja, intento de matá-lo, mas por circunstancias alheias a sua vontade o golpe não foi certeiro causando lesões graves no seu antigo amigo. Este caso em análise se configuraria um peculiar fato de Consumação que encontra-se cominado na quarta fase do “Iter Criminis”, visto que o crime saiu da esfera da cogitação (quando planejou o crime), dos atos preparatórios( de procurá-lo no bar e pegar uma cadeira como arma para agressão), passou pelo ato de execução (ao arremessar a cadeira na cabeça da vitima) e finalmente chegou ao ato de consumação (quando acertou a cadeira na cabeça do seu desafeto), mesmo não o levando a morte.

Assim sendo, segundo maior parte da doutrina as quatro fases do caminho percorrido pelo  crime estão completas, contudo como no Direito nem tudo é cartesiano como na matemática que é uma ciência exata,  parte divergente  da doutrina entende ainda haver uma outra fase, pós “Iter criminis” que seria a fase do Exaurimento, que refere-se aos efeitos que permanecem após a consumação do crime, ou seja, acontece após o cometimento de todas as etapas anteriormente citadas,  onde o já criminoso nesse caso, pratica nova agressão a vitima ou bem jurídico tutelado, Exaurindo-o, ou seja esgotando qualquer chance do crime ser revertido.

Um exemplo clássico de Exaurimento de um delito, seria o Crime de Corrupção Passiva que é tipificado no art. 317 do Código Penal Brasileiro como crime próprio e de consumação antecipada, no qual o simples fato do funcionário público solicitar ou receber vantagem indevida (Dinheiro ou promessa de vantagem ) já se configura na Consumação do delito, contudo no mesmo artigo em seu  parágrafo primeiro é previsto que a pena seja aumentada de um terço se em razão dessa vantagem recebida (dinheiro ou promessa) o funcionário Público retarda, deixa de praticar ou pratica ato de ofício, desta forma o crime foi Exaurido, visto que além de já ter cometido o crime de receber promessa de vantagem indevida ainda deixa de praticar ato de oficio por causa do crime anterior já praticado, sendo o exaurimento causa de aumento de Pena.

Outro exemplo é o crime de Resistência tipificado no artigo 329 do Código Penal em que a Consumação se dá com a desobediência à ordem legal expressa de funcionário Público, exaurindo-se quando o desobediente usa de Resistência através de violência ou grave ameaça para descumprir a ordem.

Nesse diapasão podemos citar que acontecimentos recentes em nosso país vêm colocando em dúvida alguns institutos jurídicos já consagrados pela doutrina e jurisprudência, onde em matéria amplamente divulgada pela atual mídia (Televisiva, ou em redes sociais) existe acusação de um determinado grupo de pessoas que estariam planejando um suposto ataque a algumas autoridades e instituições no Brasil, usando como provas simples conversas corriqueiras de WhatsApp, de acordo com vários juristas renomados, onde quase que imediatamente foram decretadas e cumpridas prisões preventivas das referidas pessoas, contudo se formos levar em consideração a normas jurídicas e a doutrina aqui exaustivamente abordada não se configuraria causa alguma de punição, visto que não se pune quaisquer atos preparatórios, seja na fase de Cogitação e Preparação de qualquer crime, pois como já expõe os doutrinadores tais infrações estão ainda na esfera psicológica não havendo o que se falar em punição, visto que é claro e límpido o que prolata o “Iter Criminis” que demostra claramente qual o caminho do crime e em quais partes passam a ser puníveis os atos criminosos.

Como dizia um grande professor que tive no passado quando graduando em Direito, que usava muito os brocardos em Latim: Dormientibus non succurrit jus, ou seja , o Direito não    protege a quem dorme e por isso temos que ficar eternamente vigilantes e acordados para que não usurpem ou interpretem extensivamente normas jurídicas, relativizando Direitos já enraiados na sociedade, pois o “preço  do bom Direito e das Liberdades é a eterna vigilância”.

 

 

 

 

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