Ladrões Jornal Valença Agora 16 de março de 2016 Carlos Magno de Melo, Colunistas Eu tinha um tio, irmão do Papai. Era o tio Nilo. Homem muito brincalhão. O Papai e a Mamãe tocavam um bar em Campinas, bairro de Goiânia. O Bar Goiás. Verde. Isso lá pelo meio do século XX. Talvez 1954. Antigamente. Na época da Festa do Divino, há uma romaria. Talvez a segunda ou terceira romaria do Brasil. Em Trindade, cidade próxima a Goiânia. Na época da Festa do Divino, até hoje, é muita gente indo para Trindade. Naquele tempo, o Bar Goiás era no fim da rua. Ficava na esquina da rua que ia para se transformar na estrada de Trindade. Era uma barafunda. Gente chegando. Gente saindo. Ônibus, pau-de-arara e veículos de tração animal ( eufemismo para carroças e carros de boi) carregando romeiros. Gente simples. Interiorana. Hoje a coisa melhorou muito . Mas no tempo do Bar Goiás era um rolo. Os roceiros chegavam aos montes para esperar um caminhão, uma perua ou uma jardineira (ônibus). Entravam no Bar. Iam ao restaurante. Outros comiam salgados. Tomavam leite, café, refrigerante e sorvete. Os homens bebiam cachaça.Famílias. Gente desconfiada. Riam, conversavam, mas com aquele ar de desconfiado. Nem todo mundo que estava ali era gente religiosa. Havia os batedores de carteira. Os romeiros eram as presas que eles perseguiam. Ladrões refinados. Aplicavam o conto do paco. Vendiam bilhetes de loteria "premiados" por uma ninharia. Nesse caso, a vítima sempre comprava pensando que estava passando o outro para trás. Era um esperto querendo afanar outro esperto, que se passava por simplório. Havia os menos sutís. Roubavam malas e objetos. Enfim, era um caos. Não se falava em armas. Era um tempo de ladrões com um certo grau de "consciência". E a lei era severa. O tio Nilo, para se divertir, deixava objetos no alpendre da nossa casa, que ficava contígua ao bar, justamente onde veículos paravam para levar ou deixar os romeiros. Havia uma mureta. Pois era ali que meu tio deixava coisas. Eu me lembro de uma pilha de rádio, já sem carga ( naquele tempo, as pilhas eram imensas. Quase do tamanho dos rádios, que também eram grandes, como se fossem imensas malas). Pois ele deixou a pilha lá e em menos de vinte minutos um ladrão a levou. Tio Nilo pegava malas velhas e enchia de podridões. Restos de comida, jornal velho que ele pegava nas latrinas, ratos mortos, enfim, uma nojeira. Colocava dentro de uma mala e deixava lá, logo a mala sumia. Ele morria de rir. E todo mundo ria muito. Riam imaginando a cara do ladrão. Gente desonesta, desde antigamente. Hoje, ouvimos comentários como "hoje em dia". O" hoje em dia" está na moda desde aqueles tempos antigos. " Hoje em dia", há ladrões de celulares. Assaltam à mão armada. Matam. Matam sem piedade. São feras drogadas que matam sem consciência alguma. Os tempos mudaram com a droga e a impunidade. Por falar em impunidade, não nos esqueçamos, minha doce leitora e meu querido leitor, que a impunidade trouxe um outro tipo de ladrão. O ladrão do colarinho branco. Ele nos rouba lá dos palácios. Não suja a mão e nem se dá ao trabalho de carregar uma pilha velha descarregada. Contudo, é tão letal quanto os que matam por celulares. Eles condenam crianças à fome. Condenam jovens ao desemprego. Condenam o cidadão e o país ao retrocesso . São tão assassinos quanto os que atiram nas costas das vítimas. Quase sempre não vão presos. Já estão começando a ir. Uma hora irão. Tio Nilo não riria desses finórios disfarçados de autoridade e de gente de bem. Nem nós rimos. Deixe uma resposta Cancelar resposta Seu endereço de email não será publicado.ComentarNome* Email* Website