O ex-presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos. A informação foi confirmada pelo presidente Yamandú Orsi.

A causa da morte ainda não foi divulgada.

Em abril de 2024, ele revelou em coletiva de imprensa ter sido diagnosticado com tumor no esôfago ao fazer um check-up.

O ex-presidente já lidava com uma doença autoimune, que afetava seus rins.

O atual presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, apadrinhado de Mujica, declarou em uma entrevista no domingo (11), para o jornal argentino Tiempo, que o ex-presidente atravessa “um momento crítico de saúde”.

 “Estamos tentando protegê-lo e impedi-lo de fazer coisas que possam prejudicá-lo. Algumas das ações recentes parecem tê-lo afetado”, disse Orsi à imprensa.
Fundador do principal grupo guerrilheiro do Uruguai, que ficou preso mais de uma década e foi torturado pela ditadura, e acabou chegando ao poder décadas depois, Mujica se tornou o um dos presidentes mais queridos internacionalmente e colocou o Uruguai, o segundo menor país da América do Sul, na lupa mundial.

Seu estilo pouco afeito a luxos, com jeito simples de se vestir – para críticos, desleixado – que manteve inclusive durante a presidência, a defesa de uma existência menos consumista e as iniciativas progressistas que apoiou durante seu mandato, como a legalização do aborto, da maconha e do casamento entre pessoas do mesmo sexo, lhe renderam fama e admiração ao redor do mundo, e o posicionaram como uma das principais referências da esquerda latino-americana.

Mujica nasceu em 1935, em Montevidéu, onde morou ao longo de toda a vida. Começou na política no Partido Nacional, um dos mais tradicionais do Uruguai, onde foi secretário-geral da Juventude.

Nos anos 1960, foi um dos fundadores do Movimento de Liberação Nacional – Tupamaros, a guerrilha mais famosa do país. O grupo atuava com o roubo de locais para se autofinanciar, sequestros – inclusive do então cônsul brasileiro em Montevidéu, Aloysio Dias Gomide – e antentados contra autoridades e colaboradores da ditadura uruguaia (1973-1985).

Mujica foi preso quatro vezes. Fugiu da cadeia em duas. Sua primeira prisão foi em 1964, pelo roubo ao depósito de uma fábrica em Montevidéu para financiar a guerrilha. Em 1971, após ser detido novamente, conseguiu escapar por um túnel, com outros guerrilheiros e alguns presos comuns, da penitenciária de Punta Carretas, em uma fuga massiva, de 111 detentos, que entrou para a história do Uruguai.

Em uma das vezes que foi preso, Mujica levou tiros dos policiais e quase morreu. Algumas das balas ficaram em seu corpo. O período mais longo que passou na prisão, de doze anos, coincidiu com o início da ditadura, após o golpe de Estado de 1973. Ele e outros guerrilheiros detidos acabaram usados como “reféns” dos militares, que os mantiveram como moeda de troca, sob ameaça de matá-los, para evitar novas ações da guerrilha.

O grupo foi transferido de prisão para prisão no interior do Uruguai, foi torturado e privado de alimentos e água, o que levou Mujica a beber a própria urina. Ele também passou cerca de uma década em solitárias, perdeu os dentes por espancamentos e teve problemas no intestino e nos rins, além de alucinações auditivas.

Em 1985, com o decreto de anistia a presos políticos que acompanhou o retorno à democracia, Mujica e os demais guerrilheiros acabaram libertados.

De prisioneiro a exemplo

Com a redemocratização, ele fundou o Movimento de Participação Popular (MPP), sigla que passou a integrar a Frente Ampla, única coalizão de esquerda do país. Em 1994, Mujica foi eleito deputado por Montevidéu, e em 1999, senador. Em 2004, reeleito, ele se tornou o senador mais votado da história do país.

Em 2005, acabou nomeado ministro de Agricultura por Tabaré Vázquez, aliado na coalizão Frente Ampla, que se tornou o primeiro presidente de esquerda do Uruguai.

Nas eleições seguintes, aos 75 anos, Mujica venceu o ex-presidente Luis Alberto Lacalle Herrera, com 52,59% dos votos no segundo turno. À diferença de seu antecessor, que vetou a lei de descriminalizacao do aborto que tinha sido aprovada por ambas câmaras do legislativo em 2008, Mujica defendeu, durante a campanha, a laicidade do Estado e disse que não se oporia à lei se a interrupção voluntária da gestação fosse votada novamente.

Além de apoiar a legalização, aprovada pelo Legislativo durante seu governo, Mujica criou programas de moradia para a população de baixos recursos, promoveu a lei que regulamentou e passou para o Estado a produção e venda de maconha no país, deu refúgio no Uruguai a prisioneiros de Guantánamo que estavam encarcerados há anos sem julgamento e apoiou a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Pessoalmente, Mujica aplicou para si mesmo o estilo de vida que predicou em diversas declarações que deram a volta ao mundo, defendendo uma vida menos focada no consumo, somente com o imprescindível e levando uma “bagagem leve”: doou boa parte de seu salário como presidente, colocou à venda a residência presidencial de Punta del Este e negou-se a se mudar para a residência presidencial na capital, para continuar morando em sua chácara na periferia rural, com a esposa, a senadora e também ex-guerrilheira Lucía Topolansky, e uma vira-lata de três patas chamada Manuela.

Em diversas ocasiões, Mujica driblou a reduzida escolta presidencial que o protegia para dirigir seu icônico fusquinha azul de 1987. Até o fim da vida, cultivou o solo – ofício que aprendeu desde pequeno, quando ficou órfão de pai aos oito anos e passou a ajudar a mãe com a renda da família de classe média baixa, plantando e vendendo flores.

Uma das marcas de Mujica, avesso a formalidades, foi a rejeição à gravata e a vestimenta descontraída: ele não utilizou o acessório em atos de governo, cúpulas ou reuniões com outros chefes de Estado. Também causou graça uma foto, em uma Cúpula do Mercosul, em que ele olha para seus sapatos gastos enquanto as então presidentes da Argentina, Cristina Kirchner, e do Brasil, Dilma Rousseff, parecem comentar e rir da situação. Mujica chegou, inclusive, a participar da posse de um de seus ministros de Economia usando sandálias e calças curtas, exibindo boa parte das pernas rechonchudas.

A informalidade o acompanhava já na vida de parlamentar – ele foi eleito deputado em 1995, e depois duas vezes senador, em 2000 e 2005. O próprio Mujica contou em entrevistas, sorridente, que sua maior contribuição para o Congresso foi levar o uso de calças jeans à instituição.

Após o período como presidente, Mujica foi eleito novamente como senador, em 2015 e em 2020, como o mais votado da Frente Ampla. Ele acabou, no entanto, renunciando ao cargo durante a pandemia de Covid-19, no mesmo ano em que foi reeleito pela última vez, devido a uma doença autoimune. “Fui expulso pela pandemia”, afirmou durante a renúncia, pela impossibilidade de continuar indo às sessões.

Sem rancores

Uma das polêmicas de sua administração foi a resistência de Mujica ao fim da anistia para militares responsáveis por crimes durante a ditadura. Na época, o então presidente não apoiava a iniciativa, impulsionada pela sua coalizão de governo. A lei acabou não sendo anulada pelo Congresso.

Perguntado certa vez, em entrevista à CNN, sobre como conseguia viver sem rancores depois do que passou nos anos de prisão, Mujica respondeu que “viver significa carregar algumas contas que ninguém vai te pagar”.

“A natureza nos colocou os olhos na frente [da cabeça]. Teria sido útil ter um olho atrás, para olhar pelas costas, mas eles são para que a gente olhar para frente. Não pode ficar olhando para trás. A água que você viu passar, não vai voltar a ver. Na vida, tem contas que não serão cobradas, porque precisamos nos comprometer com o amanhã, com o porvir, com o que vem, com a esperança”, argumentou.

Esquerda latino-americana

Amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Mujica visitou o brasileiro na prisão em 2018. No início do seu terceiro mandato, em 2023, Lula fez ao Uruguai sua segunda viagem internacional. Após se reunir com o presidente Luis Lacalle Pou, o presidente brasileiro foi à chácara de Mujica, com quem conversou e andou de fusquinha.

Na ocasião, Mujica afirmou que mantinha uma relação com Lula há muitos anos. “Sou amigo de Lula quando triunfa, mas também em sua derrota”, disse, lembrando de sua visita a Lula na prisão.

“No Brasil não houve um pleito da esquerda contra a direita, isso é falso. O verdadeiro pleito é democracia com respeito ou autoritarismo, afirmou durante a visita, realizada poucos dias após o ataque às sedes dos Três Poderes de 8/1.

Com relação a Nicolás Maduro, Mujica tem endurecido as críticas nos últimos anos, afirmando que “a Venezuela tem um governo autoritário”. Anos atrás, ele já tinha dito que o presidente venezuelano “está louco como uma cabra” e minimizado suas acusações de que Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), seria um agente da CIA.

Fonte: CNN | Foto: Gerardo Vieyra/NurPhoto

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