O Dia da mentira Jornal Valença Agora 14 de julho de 2016 Colunistas, Matutando Eduardo Pereira Historiador, jurista e psicanalista em formação. Quando criança, Cassiano da Mata, ouvia sua mãe dizer: “hoje é primeiro de ‘abrir’ mande esse burro para onde não quer ir”. De fato era o primeiro dia do mês de abril e faziam-se diversas brincadeiras; tinha uma que consistia em enrolar algum objeto sem valor em papel de presente e dentro do embrulho colocar-se um bilhete com os dizeres: “primeiro de abril mande esse burro para onde não quer ir”. Geralmente o estranho presente era entregue a um pré-adolescente e mandava-se o mesmo entregar a uma pessoa mais velha, lá chegando o destinatário abria o tal presente e lia o bilhete e mandava esse mesmo garoto entregá-lo para uma outra pessoa que procedia da mesma forma, mandando o infeliz entregar em um outro endereço. “Galo Véio”, por exemplo, andou a pé, durante um dia inteiro, com o tal presente de destinatário em destinatário, só parando às 22 horas, graças à bondade de dona Miúda que disse-lhe: “largue de ser besta seu corno, tão te fazendo de idiota”, e jogou o maldito presente fora, rasgando o dito bilhete. Ao completar dez anos de idade, Cassiano foi estudar no Ginásio Santo André, com aquela curiosidade: como surgiu a brincadeira do primeiro de abril? Numa das aulas de História, veio ficou sabendo que o dia da mentira tem sua origem na França, onde se comemorava a chegada do ano novo no dia 1º de abril, porém no ano de 1564, o rei Carlos IX, adotou o calendário gregoriano e assim, determinou que o ano novo fosse festejado no dia 1º de janeiro. Alguns franceses resistiram à mudança e continuaram a comemorar a chegada do ano novo no dia 1º do mês de abril, esses “desobedientes” passaram a ser vítima de gozação, inclusive recebendo presentes esquisitos e convites para festas que não existiam e ficaram conhecidos como os bobos de abril. Já rapaz, Cassiano da Mata ingressa na faculdade, onde teve contato com o movimento estudantil e também com o movimento negro e daí fica sabendo que, de fato o dia da mentira para os negros brasileiros, não é o dia 1º de abril e sim o dia 13 de maio. Passado o susto com a nova descoberta, Cassiano vai estudar a história do Brasil e verifica que: A Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, (que entrou para a história como Lei Áurea) contendo apenas e tão somente dois artigos, um declarando extinta a escravidão no Brasil e outro revogando-se as disposições em contrário, não estabelecendo qualquer tipo de indenização ou reparação para os ex escravizados, era de fato mais um engodo, colocando na “rua da amargura” milhões de pessoas que foram expulsas das fazendas, sem terem para onde ir, nem o que comer. Nos moldes em que foi realizada a abolição da escravatura, é correto afirmar que ela aboliu os senhores e não os escravos. Outro fator observado por nosso personagem é que, a princesa Isabel não assinou a referida lei por pura bondade e sim por pressões de países como a Inglaterra que tinha interesses, inclusive comerciais no fim da escravidão. Outro motivo preponderante para o fim da escravidão no Brasil foi o aumento da resistência negra, com fugas em massa, queima de engenhos, etc. "Quanto mais se nega a existência de racismo, mais ele se propaga". Essa frase da então Ministra da Igualdade Racial, Nilma Lino Gomes, em entrevista à revista Carta Capital, mostra que mesmo passados 128 anos, os descendentes dos escravizados não foram incluídos na sociedade brasileira, isto por pura má vontade dos dirigentes do país. As pesquisas feitas por Cassiano da Mata revelaram que, no ano de 2003, trabalhadores negros recebiam apenas (48,4%) do salário dos trabalhadores brancos, ou seja, menos da metade. No ano de 2015, recentes pesquisas mostraram que trabalhadores negros ganham 59,2% do salário dos trabalhadores brancos, referidos dados fazem parte da Pesquisa Mensal de Emprego, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mercado de trabalho: Taxa de desemprego da população de 16 anos ou mais de idade, segundo sexo e cor/raça. Fonte: IPEA/Brasil, 2009. Pesquisa realizada pelo Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é bastante esclarecedora a esse respeito, destaca-se na dita pesquisa que, enquanto no percentual de médicos no serviço público, os brancos representam 80 e os negros 17,6%, no tocante a profissão de coletor de lixo, o quadro se inverte, brancos 28,5% e negros 70,2%.[i] Ademais, segundo denuncia a Anistia Internacional, em 2012, 56.000 pessoas foram assassinadas no Brasil. Destas, 30.000 são jovens entre 15 a 29 anos e, desse total, 77% são negros. A maioria dos homicídios é praticado por armas de fogo, e menos de 8% dos casos chegam a ser julgados. De fato são dados alarmantes, geralmente silenciados na mídia e acobertado sob o manto da democracia racial. Como disse Florestan Fernandes: “o feio no Brasil não é ter preconceito, e sim externá-lo”. [i] Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2014/05/negros-no-servico-publico-2996.html>. Deixe uma resposta Cancelar resposta Seu endereço de email não será publicado.ComentarNome* Email* Website