Historicamente, as mulheres sempre viveram condicionadas às vontades masculinas e as explicações para o fenômeno são diversas. Muitas sabiam e sentiam sua condição de opressão dentro da sociedade, mas não conseguiam contrapor o sistema patriarcal. Outras se rebelaram em diversas oportunidades, marcadamente no Século XVIII, com o Movimento Iluminista.

Contudo, é com a emergência do Movimento Feminista, por volta do Século XIX que as mulheres passam a se organizar e lutar com mais vigor por direitos de cidadã, direitos iguais. No Brasil, as mulheres começam a se unir em torno de suas pautas durante a Ditadura Militar e, posteriormente, avançam com suas reivindicações para que houvesse uma revisão histórica no sistema de opressão que elas denunciavam.

Assim, na década de 1980, o Movimento Feminista conseguiu aprovar cerca de 80% de suas demandas na Constituição Federal de 1988; ainda na década de 80 conseguiram a primeira delegacia especializada em atendimento à mulher, em São Paulo; na década de 1990, os juizados especiais e nos anos 2000, elas conquistaram a lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) e em 2015, a Lei 13.104/15 (Lei do Feminicídio).

Apesar dessas conquistas, as mulheres não estão satisfeitas com a realidade que ainda vivem. E que é uma realidade de muita violência. E quando falamos em violência, estamos tratando das cinco manifestações tipificadas pela Lei Maria da Penha (física, moral, sexual, psicológica e patrimonial). O assombroso fenômeno da violência contra a mulher não é um fato novo, mas para muitas pessoas pode parecer que sim pelo fato de muitos casos ainda não serem denunciados. E isso ocorreu e ainda ocorre por diversos motivos, dentre eles, o medo do que vai acontecer com a vítima, após a denúncia.

A pesquisa divulgada pelo Mapa da Violência 2015 revela que em número de mortes de mulheres, a Bahia só perde para a Paraíba e Rio Grande do Norte, na Região Nordeste, analisando o ano de 2013. Apesar disso, o crescimento de 159,3% na taxa de mortes femininas, em 10 anos, coloca a Bahia entre os três Estados mais perigosos para as mulheres viverem no Brasil. Sendo que após a Lei Maria da Penha, a taxa na Bahia avançou de 3,4 (2006) para 5,8%. Os municípios baianos que ficam nos primeiros lugares no ranking nacional de feminicídio (2009-2013) são: Mata de São João (7º), Pojuca (9º), Itacaré (10º). Valença ocupa a posição 176º em nível nacional com a taxa média de 8,8 ao ano.

Sobre os efeitos da Lei Maria da Penha, dados comparativos do Mapa da Violência 2015 apontam que antes da Lei (período de 1980 a 2006), o número de feminicídio foi de 7,6% por ano; depois da Lei (período de 2006 a 2013), o número cai para 2,6%. Roraima lidera o ranking de mortes de mulheres em todo o País, tendo uma taxa de feminicídio de 15,3 (por 100 mil hab) e um crescimento de 343,9% entre 2003 e 2013.

Informações do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos afirmam que em 10 anos, o serviço Ligue 180, criado em 2005, já atingiu a marca de 4 milhões de ligações. O serviço gratuito funciona 24h para denúncias, relatos de casos, orientações, reclamações sobre atendimentos prestados pelas redes de atendimento (delegacias, centros de referência, dentre outros serviços especializados). Em caso de flagrante, o número é o 190 da Polícia Militar.

Ao longo dos anos, estão sendo empreendidas diversas ações pelo Movimento Feminista que acabam por pressionar o Estado para a criação de políticas públicas que visem atenuar o quadro apresentado acima. As campanhas são inúmeras, a exemplo dos 16 dias de Ativismo pelo fim da violência contra a mulher que acontece sempre entre 25 de Novembro – dia internacional da não violência contra a mulher até o dia 10 de Dezembro – dia internacional dos direitos humanos. Recentemente, a luta feminista ganhou uma aliada: a internet.

Nas redes sociais, surgiram diversas campanhas e que tem atraído a atenção das jovens para coisas que acontecem no cotidiano e que as incomodavam, mas elas não sabiam identificar como violência e não tinham coragem para denunciar, também. As campanhas virais (#ChegadeFiuFiu, #NãoMereçoSerEstuprada, #MeuPrimeiroAssedio, #MeuAmigoSecreto) ajudaram a muitas meninas e mulheres a fazerem denúncias, procurarem ajuda especializada para tratar de traumas. O Ligue 180 registrou um aumento de 40% no volume de ligações entre Janeiro e Outubro de 2015, em relação ao mesmo período de 2014, de acordo com dados do Governo Federal.

REDES SOCIAIS: DE ALIADA A VILÃ NOS CASOS DE PORNÔ DE VINGANÇA

Se por um lado, as redes sociais contribuíram para que as mulheres se unissem em torno da luta pela atenuação das desigualdades de gênero...por outro lado, elas são veículos de manifestação de ódio, de desrespeito e mais: do vazamento de conteúdo íntimo (sexting, revenge porn) sem autorização. O nome pode parecer estranho, mas a prática do Revenge Porn é muito familiar para uma grande parcela de mulheres brasileiras.

A “pornografia de vingança” (em português) é uma prática que se alastrou pelo mundo virtual e consiste em filmar e divulgar vídeos e fotos com conteúdos íntimos sem o consentimento das pessoas envolvidas. As redes sociais facilitaram bastante essa prática criminosa e que atinge, principalmente, as mulheres, através do Whats app.

Casais trocam mensagens com conteúdo erótico (nudes), meninas e mulheres se deixam filmar em momentos íntimos pelos seus parceiros por uma questão de fetiche ou por confiar que o parceiro guardará o vídeo, mas não é o que acontece em muitos casos. Muitas meninas e mulheres veem-se surpreendidas com sua exposição nas redes sociais, quando o parceiro rompe o laço de confiança ou quando o vídeo vai parar nas mãos erradas, é o que se denomina como sexting (de um modo mais geral) e revenge porn (de modo mais específico). Em outros casos, ocorre a instalação de câmeras escondidas em locais estratégicos e a filmagem é feita sem que a pessoa perceba ou através do roubo de informações em contas de e-mail como fazia o americano Hunter Moore que organizou uma “empresa” que atuava na divulgação de fotos íntimas (nudes) roubadas.

Muitas campanhas têm sido feitas para diminuir a prática desse crime (a exemplo da campanha “mulheres incompartilháveis”), mas a eficácia é pouco comprovada, visto que ainda há uma grande incidência de vídeos caseiros que são difundidos através das redes sociais e que vão parar em sites pornográficos e até mesmo o estímulo ao Revenge Porn (Pornografia de Vingança), através de músicas como foi o caso dos sertanejos Max e Mariano.

REVENGE PORN: AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS E PSICOLÓGICAS

Esse tipo de crime cometido por Hunter Moore e sua empresa também já aconteceu no Brasil e motivou a criação da Lei 12.737/2012 (Lei Carolina Dieckman) que tipifica esses delitos informáticos no Código Penal Brasileiro (CPB), através do Artº. 154-A.

Por outro lado, quando o parceiro ou parceira da mulher publica, sem autorização, vídeos íntimos, configura-se violência doméstica visto que a Lei Maria da Penha tem efeito “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.” (Artº 5, III) e é entendida, também, como violência moral, pois essa prática incorre no crime de difamação, no entendimento de alguns operadores do Direito. Portanto, variando o caso, o autor do crime poderá responder nos Artigos 139 e 140 do CPB.

A Constituição Federal (1988) assegura que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (Art 5º, X), mas essa inviolabilidade não é uma realidade na vida de muitas mulheres. O caso do Revenge Porn é tão grave que há em tramitação um Projeto de Lei de nº 5.555/2013, conhecido como Lei Maria da Penha Virtual, que visa fortalecer e agregar à Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) a conduta da pornografia de vingança, além de outros (PL 5822/2013; PL 6630/2013; PL 6713/2013; PL 6831/2013; e PL 7377/2014) que pretendem atuar no sentido especificar e punir a prática com mais rigor. O Marco Civil da Internet, também, pode ser um importante aliado no combate aos compartilhamentos criminosos.

Quanto às vítimas, os danos podem ser irreversíveis. Um momento de alegria, prazer pode se transformar numa dor eterna que atinge uma família inteira. A psicóloga e Delegada de Direitos Humanos – Valença, Luciane Silva, explica que a violência moral causa nas vítimas um grande sofrimento, perda da autoestima (o amor e respeito que temos por nós mesmo), sentimento de culpa e vergonha, crenças e pensamentos disfuncionais (visão negativa em relação ao futuro, às pessoas e a si mesmas), gerando transtornos emocionais e físicos, resultando em uma predisposição para o desenvolvimento de doenças crônicas, transtornos psicológicos, como depressão, fobias, transtornos obsessivos compulsivos (TOC), pensamento suicida, comprometimento no desempenho no trabalho e nas relações interpessoais”.

Como vimos, Valença está em 176º no ranking nacional de violência contra a mulher e não é uma novidade a ocorrência de casos de Revenge Porn ou outras violências praticadas contra as meninas e mulheres da cidade, através das redes sociais. Conversamos com A.C.S.R., 31 anos, que nos contou sobre o que aconteceu com sua vida, após ter sido vítima do crime: “Eu me senti agredida, não fisicamente, mas em meu íntimo. É como se minha vida não me pertencesse. Me senti um objeto, quando vi o vídeo e não gostei nada daquela filmagem e exposição não autorizadas. Nunca autorizei nada! Sempre tive a ideia de que sexo era liberdade e troca de experiências. Mas, dessa vez, vi o sexo como algo vulgar. E eu não estava fazendo nada de errado, mas eu mesma comecei a achar feio. O que não deveria ser. Tive que largar meu emprego, porque os clientes começavam a comentar e a soltar notas sobre o vídeo, como se nunca tivessem feito sexo e eu fosse a única pecadora da cidade. Provavelmente, mudarei de cidade, pois Valença é pequena e ninguém vai me dar emprego. Dei queixa e lutarei para que os culpados sejam punidos, mas até na hora de dar queixa foi complicado: não tratam como algo que realmente é; trataram como besteira na delegacia. Destruíram minha imagem e ainda tive que aguentar piadinha na hora de prestar queixa”.

O depoimento corajoso de A.C.S.R. evidencia danos psicológicos, econômicos e mais do que isso: evidencia sua condenação social. O slut shaming é a prática de fazer com que as mulheres sintam-se envergonhadas/culpadas por demonstrar sua sexualidade (que é diferente de sexo), ou seja, é a perseguição e condenação social que as mulheres sofrem, mesmo quando são vítimas de crimes como o Revenge Porn (Pornografia de Vingança).

Outro ponto que chama a atenção é o tratamento dado às mulheres nas delegacias comuns, o que engrossa o coro do movimento feminista pela ampliação do número de delegacias especializadas de atendimento à mulher (DEAM), sobretudo na Bahia que em 29 anos, desde a criação da primeira delegacia, só conseguiu implantar 16 unidades em todo o Estado.

O problema é grave, viola os direitos humanos e precisa ser debatido com bastante frequência para que haja uma revisão de posturas cristalizadas na sociedade que se diverte e contribui com a invasão da privacidade e sofrimento alheio, sem ao menos pensar ou conhecer as consequências disso que é um ato criminoso.

Uma resposta

  1. Pornografia de vingança: uma das faces da violência contra a mulher | Blog do Pelegrini

    […] O problema é grave, viola os direitos humanos e precisa ser debatido com bastante frequência para que haja uma revisão de posturas cristalizadas na sociedade que se diverte e contribui com a invasão da privacidade e sofrimento alheio, sem ao menos pensar ou conhecer as consequências disso que é um ato criminoso. (Valença Agora) […]

    Responder

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.