Por Alfons Heinrich Altmicks
*Jorge Henrique Valença

REDES DIGITAIS: UMA POSSIBILIDADE DE ORGANIZAÇÃO ANARQUISTA

O Anarquismo, uma das propostas proeminentes provenientes da Filosofia Econômico-política na Europa entre os Séculos XVIII e XX, deriva do termo grego "á­narkhos", que se traduz aproximadamente como "isenção de governo". Contrariando a crença comum, o Anarquismo não busca o caos social, a ausência de valores ou o abandono da lógica produtiva. Além disso, há uma variedade de propostas anarquistas, não se resumindo a uma única abordagem. No âmbito desse conceito, podem ser encontrados vários modelos de sociedade anarquista, destacando-se as propostas de Max Stirner (Unicidade Individual), Pierre-Joseph Proudhon (Mutualismo), Mikail Bakunin (Coletivismo) e Piotr Alexeyevich Kropotkin (Ajuda mútua). Também podem ser mencionadas abordagens mais suaves, como o Anarco-feminismo de Emma Goldman, o Anarquismo Unificado de Alexander Berkman, o Ativismo de Errico Malatesta, o Neo-individualismo de Luigi Galleani, o Anarquismo pragmático de Camillo Berneri, o Anarquismo Cristão de Leo Tolstoy e o Anarquismo Político de Noam Chomsky (WOODCOCK, 2002; CORRÊA, 2013).

Apesar de sua riqueza teórica, historicamente, a implementação do Anarquismo não se concretizou. Foram poucas as tentativas ao longo dos séculos IXI e XX, com destaque para os movimentos anarquistas surgidos durante a Guerra Civil Espanhola e as experiências de autogestão nos kibutz israelenses. No Brasil, a Colônia Cecília, uma comuna estabelecida no Paraná no final do Século XIX, pode ser mencionada como a experiência anarquista mais significativa (DEMINICIS; REIS FILHO, 2006). Neste breve ensaio, argumenta-se que, embora não tenha havido um contexto propício para a implementação histórica do Anarquismo, isso se torna viável com a popularização das redes digitais. Essas redes materializam a oportunidade de realizar iniciativas anarquistas, pois possuem características de colaboratividade e interatividade.

As redes digitais representam uma estrutura de informações não hierárquica com um caráter colaborativo. Isso implica que cada ponto de expressão nas redes, seja um computador ou smartphone em qualquer lugar do mundo, é simultaneamente um emissor e receptor de conteúdo. Originalmente, nos primeiros anos da Guerra Fria, essa tecnologia foi concebida pelos interesses estratégicos norte-americanos com o objetivo de reorganizar automaticamente a rede de comunicações em caso de destruição das matrizes devido a um possível conflito nuclear. Dessa maneira, as comunicações seriam preservadas e redistribuídas, mesmo que as fontes originais fossem eliminadas (LINS, 2013). Para que isso fosse possível, a rede precisava transformar cada ponto receptor de comunicação também em um ponto emissor. Embora essa lógica nunca tivesse sido experimentada antes, a ideia precisou ser desenvolvida coletivamente, contando com contribuições tanto militares quanto civis, principalmente das universidades norte-americanas (CARVALHO, 2006).

A evolução coletiva das redes as caracterizou, conferindo-lhes uma natureza intrinsecamente interativa. De fato, quase tudo nas redes digitais se baseia no princípio da interatividade, que implica simplesmente a capacidade de modificar a mensagem original na fonte emissora, seja essa mensagem um conteúdo, informação, linguagem ou a própria tecnologia que as compõe. Dessa maneira, sendo interativas e colaborativas, as redes digitais são incontroláveis. Com essa configuração, as redes digitais se tornam mais do que meros meios de comunicação; elas se constituem como um mecanismo de projeção de todas as consciências humanas, contendo conhecimentos, subjetividades e técnicas, organizadas a partir de uma dimensão social e tecnológica comum (NOROVICS, 2011).

É justamente essa natureza colaborativa e interativa que torna as redes digitais adequadas para uma nova proposta anarquista. De fato, a possibilidade de expressar vontades individuais em uma construção coletiva e solidária dos destinos de cada sociedade é o que representa o mais profundo anseio anarquista, embora com as divergências entre as várias propostas teóricas do Anarquismo. Enquanto pensadores como Barragán (2021) e Lévy e Lemos (2010) defendem, em nome das redes digitais, a realização de uma ciberdemocracia, outros, como Magrani (2014) e Morozov (2011), veem a possibilidade de uma sociedade fundamentada no anarquismo digital.

Quando Richard Stallman formulou o conceito de Copyleft em 1988, ele estava, na verdade, levando os princípios de interatividade e colaboratividade à sua máxima expressão. O Copyleft representa uma espécie de patente aberta que não apenas possibilita o uso coletivo dos produtos, mas também a sua modificação de acordo com a necessidade do usuário. E vai além, o Copyleft histórica a viabilidade do Anarquismo, ao permitir que hardwares e softwares sejam apropriados de forma coletiva para determinar os destinos das sociedades, proporcionando espaço para que o indivíduo expresse suas opiniões sobre quaisquer questões que precisem de decisões coletivas.

.

.***Foto: Jorge Henrique Valença - Docente do curso de Administração da Faculdade FAESB

 

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.