araken-galvao

Houve uma época que a grande editora brasileira, não subordina aos interesses estratégicos dos Estados Unidos era a Civilização Brasileira – havia a José Olímpio, também muito importante, e outras editoras menores, associadas ou próximas ao Partido Comunista –, ainda que o editor Ênio da Silveira, de quem já falei no meu livro “das Prisões e do Exílio – Crônicas”, editado pela ALBA, fosse tido como membro do PC. Havia também a Record e a Nova Fronteira. Esta, embora tenha sido fundada por Carlos Lacerda, com dinheiro dos Estados Unidos, no tempo trágico da Aliança para o Progresso, editava muita coisa boa ou muito boa (e aparentemente “neutra”), sua origem marcava-a de forma muito desagradável. Era um empreendimento associada a política da Guerra Fria.

Veio o golpe e as editora situadas mais à esquerda, foram fechadas. E só muito depois da chamada democratização, é que surgiu, em São Paulo, ligada aos intelectuais oriundos da USP – ou seja, a pessoas que, direta ou indiretamente, apregoavam (oculta ou abertamente) a supremacia da “cultura” de São Paulo sobre os representantes dos “grotões” –, a editora Companhia das Letras, a qual tem publicado aquilo que maior destaque recebe nos Estados Unidos e na Europa, tornando-se uma substituta, nestes tempos de passeatas na avenida Paulista, quando se pede a volta da ditadura, ainda que aquela editora nada tenha a ver com esses pedidos e, ademais, tenha sido fundada bem antes do surgimento desta onda direitista.

Veio o golpe e as editora situadas mais à esquerda, foram fechadas. E só muito depois da chamada democratização, é que surgiu, em São Paulo, ligada aos intelectuais oriundos da USP – ou seja, a pessoas que, direta ou indiretamente, apregoavam (oculta ou abertamente) a supremacia da “cultura” de São Paulo sobre os representantes dos “grotões” –, a editora Companhia das Letras, a qual tem publicado aquilo que maior destaque recebe nos Estados Unidos e na Europa, tornando-se uma substituta, nestes tempos de passeatas na avenida Paulista, quando se pede a volta da ditadura, ainda que aquela editora nada tenha a ver com esses pedidos e, ademais, tenha sido fundada bem antes do surgimento desta onda direitista.

Devo dizer, porém, e com isso reconhecer que meus preconceitos me prejudicaram, que muito dos meus esquemas “jurássicos”, de velho militante de esquerda contribuiu para que eu tivesse deixado passar este título. Contribuiu ainda – e este detalhe deve-me ser creditado – que acidentalmente vi a versão cinematográfica (grande parte dela, já que tenho o hábito de ficar trocando de canal, em busca de algo “menos pior” do que a programação normal dos canais pagos) e não gostei muito do que vi. Mas, recebi a visita de um amigo, paranaense, porém velho residente no Rio de Janeiro, que me assegurou ser este um livro de qualidade.

Por curiosa ironia tinha um exemplar – doação anônima de algum amigo –, o qual, logo que terminei o livro que estava lendo, fui conferir a indicação do meu amigo Antônio. O romance não me impressionou muito em suas primeiras cem páginas – a discrição do universo dos personagens – Briony, sua irmã Cecília e o namorado desta, Robbie –, um ambiente da classe média alta inglesa – o que fazia lembrar o mundo retratado por Jane Auster, só que da primeira parte do século XX, pareceu-me cansativo, por demasiado extenso. O mesmo sucedendo com a parte que centra sua narração nos fatos da Segunda Grande Guerra, em particular à referente à retirada de Dunquerque, pois é feita com uma narrativa detalhada e lenta, como se um episódio secundário da trama tivesse fundamental importância ao desenrolar da história. No entanto, o desfecho do romance é surpreendente, superando, e de longe, tudo que achei cansativo e detalhista, quiçá desnecessária, na narração.

O autor, Ian McEwan – informa seus dados biográficos, na orelha do livro – está atualmente com 67, é um autor inglês premiado, possui várias obras publicadas no Brasil, como “A Criança no Tempo”, “O Jardim de Cimento”, “Amor para sempre” e “Amsterdan”. Sendo que a Companhia das Letras editou ainda “O Inocente”, “Sábado” e “Na Praia”, obras que seria interessante serem lidas para se ter uma visão melhor do conjunto do trabalho de McEwan.

Reparação é uma destas palavras mágicas de língua portuguesa, por possuir vários significado, permite-nos empregá-la para indicar várias situações.

Reparação, palavra relacionada com o verbo reparar, de ampla significação e, consequentemente, de emprego vário. Vemos que, como substantivo, está relacionada com o “ato ou efeito de reparar”, com a “ação de restaurar ou consertar algo; reparo”; com “satisfação dada a alguém por uma falta, uma ofensa; retratação”; com a “ação de indenizar; ressarcimento”; e, como termo jurídico, pode se referir com a “indenização exigível a que alguém é obrigado, por violação do direito de outrem”.

Dada a indicação, vejamos agora alguns fragmentos do livro “Reparação”. Pág. 251. Durante a retirada das tropas inglesas da França, meio milhão de soldados, acossados pelas divisões blindadas alemãs, que já tinha invadido, e vencido, a Bélgica e a Holanda, tendo a França de joelhos, fatos que determinaram a retirada das tropas inglesas e de alguns dos seus aliados, justamente em Dunquerque, quando o soldado Robbie recebe uma carta, vinda da Inglaterra, de sua namorada Cecília: “Ele sabia de cor essas últimas linhas e repetiu-as agora na escuridão. A razão da minha vida. Não minha razão para viver, mas a razão de minha vida. Era esse o detalhe. E ela era a razão de sua vida, o motivo pelo qual era preciso que ele sobrevivesse. Virou-se para o lado, olhando para onde imaginava que fosse a porta do celeiro, aguardando os primeiros sinais de luz. Estava excitado demais para dormir. Só podia caminhar em direção ao litoral”

Mais adiante, ná pág. 247, encontramos este primor de descrição, que bem expressa a capacidade do autor:

“Ele caminhou com ela até a Whitehall, em direção ao ponto de ôníbus. Naqueles últimos minutos preciosos, ele pas¬sou-lhe seu endereço, uma sequência árida de siglas e números. Explicou que só voltaria a ter licença depois que terminasse o treinamento básico. Então teria duas semanas. Ela olhava para ele balançando a cabeça, numa espécie de irritação, até que, por fim ele tomou-lhe a mão e apertou-a. Aquele gesto tinha de conter tudo o que não fora dito, e ela respondeu com um aper¬to também. O ônibus chegou, e ela não soltou a mão. Estavam parados face a face. Ele beijou-a, primeiro de leve, mas depois se aproximou mais, e, quando suas línguas se tocaram, uma parte desincorporada de si próprio sentiu uma gratidão abjeta, pois ele sabia que tinha agora no banco de sua memória uma lembrança a que haveria de recorrer por meses. Era o que fazia agora, num celeiro na França, altas horas da madrugada. Abra¬çaram-se com mais força e continuaram a se beijar enquanto as pessoas passavam por eles na fila. Um gozador gritou alguma coisa no ouvido dele. Ela chorava, suas lágrimas caíam no rosto dele, sua dor retesava seus lábios, apertados contra os dele. Che¬gou outro ônibus. Ela se desprendeu, apertou-lhe o pulso, en¬trou no ônibus sern dizer palavra e sem olhar para trás. Ele a viu encontrar um lugar e, quando o ônibus partiu, deu-se conta de que deveria ter ido com ela até o hospital. Havia desperdiçado minutos de sua companhia. Precisava reaprender a pensar e agir por conta própria. Começou a correr pela Whitehall, na espe¬rança de alcançar um ônibus na próxima parada. Porém o ônibus já estava muito distante, e logo desapareceu perto da Parliament Square”.

Comprem o livro (peguem emprestado na nossa Biblioteca) e boa leitura.

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