Sapatos Jornal Valença Agora 16 de setembro de 2016 Carlos Magno de Melo Estão em extinção os sapateiros. Comprei um par de sapatos. Marca famosa pelo conforto. Meus sapatos anteriores eram da mesma qualidade. Rodei meio mundo com eles, os antigos. Quando eles já estavam me tomando os itinerários, quer pelo costume ou pela vontade própria, ou seja, eu queria ir para um lado e meus sapatos queriam ir para outro. Quando as pessoas já estavam me identificando pelos sapatos que eu usava, os de sempre e além do desgaste e da perda da elegância, eu, com sincero sentimento de amargura por deixá-los, resolvi trocá-los. Fui à mesma loja na qual os adquirira. Não havia mais sapatos do mesmo modelo. Tão acostumado estava com eles que nenhum dos demais exemplares me agradou. Mas, vamos lá, minha bem calçada leitora e meu nunca pé no chão leitor, eu precisava trocar meus pisantes. Experimentei, experimentei, até que consegui um par com aparência de conforto. Fiquei meio na dúvida, mas acabou que comprei. Para terminar logo com meu sofrimento de separação, deixei os velhos companheiros na sapataria, na esperança de que lá eles saberiam como homenageá-los melhor do que eu, ingrato que os estava deixando. Saí calçado com os novos. Quando a gente compra sapatos novos, no início, há um estranhamento. Os pés perdem um pouco a graça do passo. Ficam assim, sem muita convicção. Coisa que logo passa. E de fato, os sapatos novos eram bem confortáveis, mas, como se fosse uma praga rogada pelos velhos sapatos abandonados, os novos começaram a me roer no calcanhar. Eu andava e pensava que aquilo passaria. Fui andando e a coisa foi ficando pior. Era como se houvesse uma barra de aço corrugado roendo a corda de trás do calcanhar, bem onde a beirada do sapato passava. Andava e vinha a dor. Andava e doía. Nessa de vai passar, o meu calcanhar já estava inchando. Eu imaginava que minava sangue. Sem jeito de tirar os sapatos e as meias, para dar uma olhada, muita gente ali, fui deixando. Andava e mancava de um lado. Acudia e mancava do outro. Foi ficando um suplício. O pior, parecia que todo mundo do shopping (sim eu estava em um shopping)olhava-me e ria de mim caminhando, parecendo urubu no molhado. Confesso, deu vontade de voltar à sapataria e pedir os meus velhos companheiros. Mas não tive moral para isso. Para simplificar, ao chegar a casa, já no elevador, tireiaqueles estrupícios. Quando vi os calcanhares quase morri. Tudo despelado ali. Um horror. Na carne viva. Nem gosto de falar. Embrulha o estômago. O jeito foi ir a outro shopping comprar outros sapatos. Claro, eu não ia dar bandeira de voltar ao mesmo shopping,onde todo mundo havia me visto humilhado e mancando. Comprei um sapato feio que nem uma bicicleta de pneu furado. Estou com eles até hoje. Quando chego às repartições, fico colocando um pé atrás do outro, para esconder a tristeza da feiura dos sapatos novos. E eles nem são assim tão confortáveis. E por que foi que eu cheguei à conclusão que os sapateiros estão extintos? Há dias que não acho uma só oficina de sapateiro. Já rodei por tudo quanto é lugar. Quero ver se algum tem uma forma para esticar aqueles contrafortes mordedores dos meus sapatos. Desejo ver se recupero o dinheiro gasto e o conforto perdido. Conforto que o meu antigo par de sapatos me proporcionou por tanto tempo. Deixe uma resposta Cancelar resposta Seu endereço de email não será publicado.ComentarNome* Email* Website