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(Pequenas histórias de Valença – Amália Grimaldi)

Para o amigo escritor Alfredo Gonçalves de Lima Neto.

Terra de compadres e de comadres. Casinha simples, na paisagem rural cajaibana, à porta da frente nota-se imperiosa presença: a estrela de cinco pontas – ‘Cinco Salomão’. Logo atrás desta porta, recita-se os versos da oração de São Jerônimo. Serviria para afastar infortúnios, azares e doenças.

Coisas de prateleiras, moedas de prata lá se viam, já sem brilho e sem valor. E a curiosa transparência de uma garrafa vazia, a do ‘Elixir da Mulher’. Ainda, descansava sobre a empoeirada prateleira um outro frasco, não tão exuberante, repositário de três diminutas pedras de enxofre. Exorcisantes, no entender, serviriam para afastar demônios e maledicências. Havia ainda um pequeno livro marrom  cor de terra, que na verdade seria a razão de conflito familiar. Um volume bastante desgastado, provavelmente pelo tempo e manuseio do seu dono. Seria uma espécie de grimório. Ou seja, um livro sagrado. Na realidade, seria um livro de verdade particular, e que atenderia somente ao seu dono. E a ninguém mais.

Atado por tiras de couro caprino (simbolizando veto aos curiosos), este livro amordaçado, guardaria por completar-se, cobiçada fórmula – “Segredo por se revelar”. Quem sabe, seria a receita do ‘Elixir dos Loucos’... Na verdade, dúbio princípio de matéria organizada, que no caldeirão do pensamento sinistro, e da humana ambição já se via a ferver.  Seria o borbulhar de uma mistura asfixiante, a do familiar conflito doméstico. Dessa poção impura exalava um vapor nefasto. Deixava as pessoas daquela casa enlouquecidas – de curiosidade.

O providencial cordel ataria o conteúdo das páginas daquele livro proibido, repelindo a boa-vontade de familiares, de compadres conselheiros e de comadres solícitas. Na verdade seria uma possível intromissão, ao pensamento do seu dono,  seria esta a razão daquela sua inacessibilidade. Visto que, para surpresa da família, após a morte do velho bruxo cajaibano, aberto o grimório, ou melhor, violado, para desapontamento dos interessados, seriam apenas simbolos. Via-se aí numa caligrafia invejável, mas em versos ininteligíveis. Cantilena esta em lingua estrangeira!

De certa maneira, nessa casa de povoado rural, e de gente simples, de pessoas que somente aprenderam a soletrar “Ivo – viu – uva”,  o livro demonstraria  interesse, principalmente pelo fato de ser proibido, e também por sua estranha aparência. Entretanto, frustrando expectativas tais, naquelas suas amareladas páginas, legado de terras ou testamento para tal, aí não foram aí encontrados.

A família chamara o tabelião, e o padre da Matriz, sendo que este ordenara  a imediata destruição do volume misterioso. Que fosse queimado por ser livro do Diabo, mas não fora obedecido. E nada daí foi revelado então. A família, não se dando por satisfeita, despachou um emissário até a Estância Azul. Solicitava-se o obséquio da presença do novo médico da Santa Casa de Misericórdia. O então prezado médico, oriundo das Alagoas, Dr. Heitor Guedes de Melo, acatado e prezado pelo povo simples da região, pois ele não fazia distinção, e sem mais demandas compareceu.  Contava Tia Senhora, que lá no fundo do quintal avistaram o filho mais velho do falecido juntamente com o doutor que cochichava ao seu ouvido – Mais um segredo!  Quanto ao conteúdo do livro, esdrúxulo por se decifrar, muitos letrados de Valença nem se atreveriam. Tarefa esta que caberia somente ao seu legítimo dono, o  então falecido Sebastião Vançarole, homem sábio, mais conhecido como Sebastião das Sete Casas, um velho bruxo cajaibano, que se dizia descendente de holandês.  E, para finalizar a história, segredo maior morreria com seu dono... Seu pensamento.

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