Eduardo Pereira - matutando

Eduardo Pereira*

Historiador, jurista e psicanalista em formação.

 

Alheio a qualquer informação acerca dos seus direitos trabalhistas e sociais, o jovem trabalhador rural conhecido por “Cascalho”, afirmava com orgulho para um grupo de amigos: “no torneio do trabalhador meu time será o campeão!”. Esse jovem que vivia as piores condições humanas, a trabalhar cerca de dez horas ininterruptas num dos latifúndios da região, não possuía carteira assinada, pois trabalhava com empreiteiros, no dia 1º de maio, era o astro do time daquela fazenda, ocupando a posição de meia-direita, vestindo a camisa 10, com seus passes “milimetrados”, a deixar na “cara do gol”, um outro trabalhador, também bom de bola, de nome “Caco Véio”.

anuncie_agoraComo se sabe, nesta região, é tradição a comemoração do dia do trabalho com torneios de futebol, o esporte preferido pelas massas. Caminhões vão às fazendas e comunidades rurais,  barcos vão às localidades ribeirinhas (conhecidas por beiradas) e retornam às respectivas sedes dos municípios trazendo os jogadores, comissão técnica e alguns torcedores que veem divertirem-se na cidade. Políticos capricham na organização do torneio, com distribuição de brindes, troféus, medalhas, comidas e bebidas, alguns políticos se tornam tradicionais em organização de tais torneios e, portanto bastante queridos pelos atletas e a população de forma geral, tendo como retorno a sua  eleição garantida.

De fato, a história do dia do trabalho remonta ao ano de 1886, ocasião em que, os trabalhadores da cidade estadunidense de Chicago, foram às ruas reivindicar melhoria nas condições de trabalho, inclusive a redução da jornada diária de treze para oito horas. Neste mesmo dia ocorreu nos Estados Unidos da América do Norte (EUA), uma grande greve dos trabalhadores, com conflitos, entre manifestantes e policiais, no dia 3 de maio daquele ano, foram mortos alguns manifestantes, o que provocou a revolta dos trabalhadores que, no dia seguinte, atiraram uma bomba nos policiais, provocando a morte de sete deles. Os policiais revidaram e no conflito, doze trabalhadores foram mortos e dezenas ficaram feridos.

Em homenagem aos trabalhadores mortos, a Segunda Internacional Socialista, ocorrida em Paris em data de 20 de junho do ano de 1889, estabeleceu o dia 1º de maio como Dia do Trabalho. No Brasil, muito embora  haja notícias de que se comemora o Dia Internacional do Trabalho desde o ano de 1895, somente alguns anos após a greve geral de 1917,  através de um decreto do então presidente Arthur Bernardes, no ano de 1925, foi instituído no país, o dia 1º de maio como Dia do Trabalho.

Essas informações, no nosso entendimento, deveriam ser passadas às pessoas desde a mais tenra idade, pela escola que, entretanto não faz, pois como afirmado por Louis Althusser, a escola se constitui no Aparelho Ideológico de Estado nº 1, com a função principal, segundo esse autor,   de transmitir ao resto da sociedade a ideologia[1], da classe dominante, Assim, alienados dessa e de tantas outras informações, os nossos jovens trabalhadores rurais, “Cascalho” e “Caco Véio”, dentre outros, após o trajeto na carroceria de um pau-de-arara, chegam à cidade, onde vivem seu dia de glória, garbosos do uniforme novo do seu time, o dez etampado na camisa de “Cascalho”, a indicar que este era o melhor jogador do time, camisa que fora vestida por Pelé, Zico, Maradona, Messi e tantos outros craques e o nove na camisa de “Caco Véio”, indica que este é o centro avante, o homem de área, artilheiro do time a quem cabe fazer os gols, como se diz: “o matador”, ou o “brocador”.

No final da tarde, o resultado não poderia ser outro, o time dos nossos dois jovens, composto pelos seguintes atletas, Defesa: Guaibira (goleiro), Carbureto, Muruim, Jacaré e Peba; meio-campo: Goiamum, Cascalho e Caderudo; Linha de frente: Risadinha, Caco Véio e Catroca, foi o campeão. O artilheiro do torneio foi “Caco Véio” que marcou  quinze gols, inclusive um gol de “bicicleta”  e  “Cascalho” foi eleito o melhor jogador, com direito às respectivas medalhas.

Depois da farra regada a muita cerveja de graça, trio elétrico na praça, dança do artocha, locutores, cobertura da mídia local, entrevistas na rádio, nossos famosos atletas retornam para o latifúndio onde trabalham e moram em barracos cobertos com palhas de marimbu, dormindo em tarimbas forradas com palhas de Jussara,  com suas medalhas no peito, pois o dia 2 de maio não será feriado e as 4 horas já devem estar no “campo”, este não o gramado de futebol, mas o “campo”, assim chamadas as extensas  plantações de seringueira (hevea brasiliensis), verdadeiras plantations pós-modernas, enfileiradas e nossos atletas, agora munidos de uma espécie de facão com um extenso  cabo em madeira, conhecido por berenga, biscó ou estrovenga, a ganharem o pão de cada-dia e deixarem os  lucros do suor dos seus rostos para os latifundiários.

Esta é uma das forma de desvirtuar o dia do trabalho, a nação vivendo tantos problemas, os trabalhadores ameaçados nos seus direitos historicamente conquistados, inclusive com o Projeto de Lei (PL) 4330 que versa sobre a terceirização, seria um dia de manifestações, reivindicações, mobilizações, etc., acaba-se por  se transformar num dia  lúdico.

Entretanto, uma pergunta não pode calar: a quem caberia organizar um movimento reivindicatório nessa data? No nosso entender, tal tarefa caberia prioritariamente, ao movimento sindical. Vale ressaltar que embora tenha havido durante décadas, esforços de inúmeras lideranças sindicais, esta região não tem a cultura sindical, além do que, não temos um proletariado formado, temos sim uma espécie de sub proletariado rural, até mesmo por que, pode-se afirmar que, em que pese estarmos no século XXI, o processo de industrialização é praticamente inexistente por aqui.

Conforme afirmou Guy Debord, em a Sociedade do espetáculo: “O espetáculo é o mau sonho da sociedade moderna acorrentada, que ao cabo não exprime senão o seu desejo de dormir. O espetáculo é o guardião desse sono”. Assim por aqui, não só nesse, como em outros momentos, prevalece a espetacularização social, causando uma alienação generalizada, fortalecendo a despolitização das massas, contribuindo para que estas fiquem totalmente submissas e à mercê do sistema social vigente, utilizando-se nesse caso específico, o futebol, o esporte das massas.

[1] Conjunto de proposições elaborado, na sociedade burguesa, com a finalidade de fazer aparentar os interesses da classe dominante com o interesse coletivo, construindo uma hegemonia daquela classe. Brasil Escola. Disponível em: < http://brasilescola.uol.com.br/filosofia/ideologia-marxista.htm>. Acesso em 30 abr. 2016.

 

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