Trombada Jornal Valença Agora 12 de julho de 2016 Carlos Magno de Melo, Colunistas Abri a janela. Lá estavam. Um carro parado após a esquina. Pisca-pisca ligado. Preto. Outro, branco, antes da esquina. Faroletes ligados. Bem no cruzamento, uma moto. No chão uma moça deitada. O capacete de lado. Ela estendida. Calças pretas. Blusa verde. Calçada com sandálias verdes. Outra moça abaixada. Ao lado. Dois homens. Perto. Um falava ao celular. De vista da minha janela, lá embaixo. Eu estava na cama e não ouvira nada. Nenhuma freada. Nada. Entretanto, um acidente. Parecia que não era nada tão grave. Mas a moça permanecia no chão. Ditada. A outra segurava a mão da que estava no chão e, eu via, tentava dar consolo. Uma camisa verde. Calças pretas e sandálias verdes. Aquela moça deitada no asfalto acordara cedo. Tomara banho. Penteara-se. Perfumara-se e saíra. Saíra para o trabalho. Eu poderia supor porque ela saíra para o trabalho. E eu nem poderia saber ao certo porque me levantara àquela hora, tão cedo. Aquela moça deveria ter ficado na cama. Mas tivera que levantar-se e sair na sua moto tão frágil ante o trânsito. Aquele capacete, oh, meu deus! Aquele capacete na verdade pouco serve ante a violência de um impacto verdadeiro. Tão arrumadinha, de calças pretas e camisa verde. Por certo ela abrira o armário e escolhera a roupa para o dia. Sem saber que seria acolhida por um carro preto, dirigido por uma mulher que lhe afagaria as mãos. Ficasse em casa. Observei a cena. Tentei tirar uma foto. Para a minha câmera do celular estava muito longe. E por que eu tivera a intenção de tirar uma foto? Vou lá saber? É um impulso que temos ao ver algo fora do normal. Ou mesmo dentro do normal, mas que nos chama a atenção. Entrei para o banheiro e no meio do banho ouvi sirenes. Socorro para a moça de calças pretas e camisa verde. Sandálias verdes. Quando saí do banho, a esquina estava deserta. Era como se nada tivesse acontecido ali. Se eu quisesse, poderia crer que foi um sonho que eu tivera. Um sonho de uma moça atropelada. A moça. O capacete. Os dois carros. Os homens. A moça solidária. As calças pretas e a camisa verde. Sandálias verdes. Uma moça que eu não saberei quem era. Um sonho. A cidade continuou indiferente. Logo, eu não me lembrava mais. A vida seguiu indiferente. E uma moça quase se machucou com gravidade ou quase morreu na esquina perto da minha casa, embaixo da minha janela. Deixe uma resposta Cancelar resposta Seu endereço de email não será publicado.ComentarNome* Email* Website