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Tenho dito em várias ocasiões que em dias assim abafados, quando uma inesperada tormenta ameaça cair, sem que isso se concretize cabalmente – ocasião em que imagino: Pronto, aí vem um raio e a carga de eletricidade vai queimar os computadores (como tem sucedido amiúde), com todos os transtornos imagináveis –; em dias assim – retomando ao pensamento – mais próximo àquela situação de sufoco, da qual falou João Bosco e Aldir Blanc, em particular na voz de Elis Regina. Ou seja, em dias em que o calor se faz opressivo, em que o ar se faz pesado e o ato de respirá-lo se torna fatigoso, dando a impressão que ele, o ar, está gelatinoso, sou dado a praticar ocultas filosofias (que também nenhum Kant sonhou), não daquelas comuns aos grandes mestres, mas a chã lucubração daqueles que buscam, como eu, desesperadamente uma explicação para esse ato insano e, portanto explicado, que é viver.

Mais além de que esse ato o seja perigoso, vejo-o como bastante desprovido de sentido. E, não raro, pergunto-me: quando realmente se começa a viver? No ato da concepção, como querem alguns religiosos? Quando se vem à luz? Quando se atinge a idade adulta? E essa última interrogação nos leva fatalmente a outra: quando é mesmo que se atinge essa idade? Pode até ser que se comece a viver, na lembrança da posteridade, depois de morto.

A vida (ou o ato de viver) é algo tão insensato que quando se sai da infância e se caminha para a chamada idade adulta o jovem, amiúde, enlouquece completamente, é a famosa adolescência, quando se comete os mais completos absurdos, quando se toma as atitudes mais dementes, como se estivesse sabendo que o que vem pela frente será terrível.

anuncie_agoraAliás, quando digo que “o que vem pela frente será terrível”, não estou usando apenas força de expressão. Se a passagem da infância para a fase mais adulta da vida é sempre pontilhada de quase tragédias, a vida madura (ainda que não tenha muita certeza em que momento isso ocorre e o que vem a ser isso) é também sempre repleta de surpresas, nem sempre agradáveis, de desencontros, de tropeços e constantes soerguer-se e buscas de novos equilíbrios, pois se sabe que logo virá a velhice, que é sempre uma tragédia patética. Como é difícil – oh infernos! – envelhecer. Principalmente é difícil envelhecer – sem envilecer – quando se sente a falência dos músculos e se sente ainda o ardor dos desejos que nos extravasa do coração.

Não se engane os desavisado, isso nada tem a ver com essa falácia de “espírito jovem”. De que serve ter-se esse “espírito jovem” se já não se tem vigor físico para sustentá-lo? Quando se diz que se é jovem de espírito ou se está enganando ou se está confundindo de forma igualmente hipócrita. Porque isso é apenas o desejo que nos arde no coração sonhando com o perdido vigor dos órgãos e músculos que já nos abandonou inexoravelmente. Como é doloroso se desejar amar e já não ter vigor para fazê-lo, salvo de forma sublimada?...

Que não me venham com compensações do tipo “o coração não envelhece”, por aí reside o maior dos enganos mentira pura, frise-se. Por que se o coração envelhecesse, pari passu, com os demais órgãos, em particular, com os músculos – e mui especialmente, aos ligados ao sexo – a velhice não seria a desgraça que é.

No entanto, não se pode ocultar que é tão forte esta tragédia que algumas pessoas sentem o imperioso desejo de enganar-se, pois aceitar de forma supostamente estóica a realidade só pode levar à depressão e, consequentemente, ao suicídio.

Tenho pensado muito nesta contingência agora as vésperas de completar 80 anos. Mas, não pensem que estou amargurado, embora a amargura – em grau elevado ou em doses homeopáticas –, seja um dos sutis ingredientes dos meus escritos, porque nunca foi tão feliz em minha vida, até mesmo porque vivi com tanta sofreguidão, com tanta ânsia de viver, que poderia dizer que não vivi. Por isso quando chego a esta incongruente conclusão lembro-me do verso de Castro Alves, contido no poema Ahasverus e o Gênio, onde é dito: “Enquanto a terra diz – ele não morre/ Responde desgraçado, eu não vivi”.

Isso dito, voltou a repetir: Nunca fui tão feliz em minha tumultuada existência. Não importa a cardiopatia grave; o diabetes; a metástase nos osso que o câncer da próstata me presenteou; tampouco importa as dores lombares e no joelho, a gradual perda do paladar e apetite, o qual – diga-se por necessidade de ênfase – às vezes me tira até a vontade do tomar uma dose de uísque 12 anos. Bem mais jovem que eu.

Apesar desses pequenos percalços, inexoráveis em quem está às vésperas de completar 80 anos, sou feliz – e o seria mais se todas as minhas filhas, netos e netas, além dos bisnetos, estivessem presentes a esta efeméride.

Mas, não tem importância – não o tem porque há plausíveis razões –, em compensação estarão presentes amigos do Rio Grande do Sul, do Paraná (nada de mouro), de São Paulo, de Brasília, do Rio de Janeiro, do Espírito Santo, de Salvador e a turma de Valença, sejam a dos membros da Academia Valenciana de Educação, Letras e Artes; o pessoal do Clube do Bode, além de outros diletos amigos e amigas, de várias idades, que minha mulher e eu conseguimos amealhar ao longo de mais de vinte anos morando nesta valorosa e decidida cidade.

Por todas estas razões, para esta crônica justamente para ter tempo de tomar um uísque antes do almoço.

Saúde!!!

 

Valença, BA, 21 de abril de 2016

 

© Araken Vaz Galvão

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