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Com todo o eufemismo que pode encerrar a palavra fundamentalismo, vemos a mídia todos os dias falar de seitas mulçumanas de caráter fundamentalista. A intolerância, seja na sua odiosa forma de preconceito racial, de sexo, religião, por razões de comportamento sexual, de origem étnica – e saberá Deus ou o Diabo mais que outros tipos existem – é uma chaga das mais velhas existentes na chamada civilização humana. Os Estados Unidos – que nunca primaram por serem um paraíso da tolerância, ainda que tenham sido criados sob a égide da busca da liberdade individual, mas que, na verdade, era apenas a busca de liberdade religiosa (e intolerância em todas as outras aéreas do comportamento humano) – atravessam mais uma fase exacerbada de intolerância geral. Um período tão odioso cujo paradigma mais próximo só se encontra na Alemanha pré-nazista.

Sob o nome Tea Party(1) (Festa do Chá), cujo líder é uma mulher – Sarah Palin –, mas que conta com vários seguidores, que pregam abertamente, como fazia a organização nazista SA(2), criada por Hitler, algo próximo ao assassinato (senão o assassinato mesmo) daqueles que, por serem mais liberais, são classificados de adversários.

Seguidores de todos os tipos e de todos os graus de fanatismo começam a seguir essas diretrizes. Isso ocorreu recentemente, resultando na morte de um juiz e uma menina de dois anos – nascida justamente no dia 11 de setembro de 2001 –, e vários feridos, entre elas a deputada Gabrielle Giffords, no Novo México, no dia 8 de janeiro, massacre cometido pelo jovem Jared Loughner. No enterro da menina, um pastor de uma igreja Batista, pretendia comparecer à cerimônia para proclamar (sic) que “Deus enviou o atirador para enfrentar uma América idólatra”.

Enquanto isso, a mídia ocidental – a brasileira exultante frente a todas – falam do fanatismo religioso do Irã e outros países e povos mulçumanos.

Um dos cartazes de propaganda do Tea Party mostra um mapa dos Estados Unidos assinalado por 17 alvos – iguais aos usados na prática de tiro ao alvo, com o nome dos adversários que deverão ser abatidos. Essa propaganda é aceita por toda a mídia estadunidense sob a desculpa de “ser mero exercício de liberdade de expressão”.

assinaturaPor estar perdendo, a olhos vistos, o seu avassalador poder imperial, os Estados Unidos, isto é, boa parte da sua população – bem como a quinta coluna religiosa espalhada pelo mundo – começaram a adotar atitudes tão ou mais extremistas do que a dos nazistas. Entanto vão fazendo – como na história do ladrão que, após roubar, sai gritando: Pega o ladrão! – acusações aos árabes mulçumanos de radicais, fanáticos e terroristas.

Uma pessoa medianamente ponderada deveria perguntar-se qual a diferença de decretar uma ordem de assassinato de um adversário de sua religião – como o faz alguns lideres radicais mulçumanos – e publicar um mapa com a relação de alvos apelando para o assassinato de adversários políticos. Quando os mulçumanos fazem é contra os direitos humanos; quando os fundamentalistas dos Estados Unidos fazem é “mero exercício de liberdade de expressão”. Tenham santa paciência!

Esta forma de proceder, porém, não é um caso isolado, tampouco ocorre somente nos Estados Unidos. Os cartazes que alguns energúmenos carregam na avenida Paulista, seja pedindo a ruptura da nossa incipiente democracia, seja pregando o assassinato de quem não pensa como eles – se é que energúmeno pensa – nos demonstra que ou deu a louca no mundo ou estamos vivendo um período similar ao que a Europa viveu na primeira metade do século XX. Ou, em última análise, o ser humano é um consumado excremento.

Porém, ao mesmo tempo em que aventamos a possibilidade de ter dado a louca no mundo, temos também que supor que meio a todas essas demonstrações de sandices, impera também uma grande dose de cinismo. Uma vez que bastou os Estados Unidos, e os demais países da Europa rica terem assinado um tratado de convivência com o Irã, e terem suspendido o tal de embargo, a imprensa brasileira deixou de acusar aquele país do golfo pérsico de pretender construir foguetes balísticos e bombas atómicas e a patrocinar o terrorismo internacional. De uma hora para outra o perigo que o Irã representava para a comunidade de nações civilizadas, desapareceu do noticiário da nossa imprensa.

Ainda bem, porque assim as estações de TVs e os grandes jornais e as grandes revistas semanais voltaram a se preocupar com o tão ensaiado golpe político, alardeado com o nome de impeachment, ato legal, mas que na prática implica em se interromper o tímido processo de distribuição de riqueza começado com o bolsa família e que tem continuado, as trancos e barrancos, com o programa “Nossa Casa, Nossa Vida”.

Por trás de toda esta campanha – supostamente de combate a corrupção – o que existe mesmo é o ódio de classe. Não é possível que pessoas da periferia, que os filhos das empregadas domésticas frequentem a Universidade – dizem –. Afinal – pensam –, quem vai ser nossos motoristas ou a babá de nossos filhos?

O que a elite política não aceita, jamais aceitou e nunca aceitará é que seus servos se emancipem. Frequentarem o SENAI e similares para operar as modernas máquinas das empresas dos nossos pais, tudo bem. Compreende-se e se aceita. Agora, ingressam nas Universidades, fazerem-se doutores para irem disputar emprego conosco, jamais.

Lugar de pobre é na favela – dizem os jovens que desfilam na avenida Paulista e em outras grandes avenidas das mais importantes cidades brasileira.

 

Valença, BA, 28 de janeiro de 2016

 

 

© Araken Vaz Galvão

(1) Movimento de extrema direita dos Estados Unidos, cujo nome é inspirado na expressão “Tea Party” (festa do chá) referência a uma manifestação de protesto realizada, em Boston, contra a coroa britânica, em 1773, pelos colonos dos Estados Unidos, um dos atos relacionados com a independência da Inglaterra.

(2) Do alemão Sturmabteilung, aglutinação das palavras Sturm e Abteilung, que formam a abreviatura SA. Tropas de assalto nazistas, surgidas no início da organização daquele partido, dirigida por Ernest Roehm composta fundamentalmente da escória da sociedade, desempregados, homossexuais e outros personagens do esgoto social da Alemanha saída da derrota da I Grande Guerra. Essa formação paramilitar foi destruída, por ordem de Hitler, pelas SS, em um massacre que ficou conhecido como A Noite dos Longos Punhais.

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