O pós pandemia pode ser um momento delicado para muitas pessoas com a retomada da convivência social; olhar com atenção às questões emocionais é de extrema importância

Nos últimos dias, acontecimentos envolvendo descontrole emocional de alunos ganharam conotação na imprensa nacional e acenderam o alerta em relação a saúde mental dos estudantes nesse momento de retomada das aulas presenciais. No interior de São Paulo, nove alunos da mesma escola se cortaram com lâmina de apontador na sala de aula e no banheiro do colégio. No Recife, quase 30 estudantes foram socorridos depois de uma crise de ansiedade coletiva. Em março, um menino de 13 anos, na Paraíba, atirou contra os pais o irmão após se sentir pressionado em relação aos estudos, só o pai sobreviveu.

Após cerca de dois anos sem o convívio em sala de aula com professores e colegas devido à pandemia da Covid-19, estudantes de todas as idades puderam retornar em 2022 às suas escolas. Essa privação de convívio pode ter funcionando como gatilho para o desenvolvimento de transtornos mentais como ansiedade e depressão. Um mapeamento feito no estado de São Paulo, em 2021, aponta que 69% dos estudantes avaliados relatam sintomas de depressão e ansiedade. O que representa mais de 443 mil estudantes.

Conversamos com a diretora escolar Glória Souza (Ceten) e a professora Oscarina Edington (Gentil Paraíso Martins) para saber como está o comportamento dos estudantes neste recomeço pós-pandemia e como a escola está lidando com essa retomada das aulas presenciais. Trazemos também nesta reportagem uma entrevista com a psicóloga Raíza Sobral para sabermos como a escola e a família devem agir no sentido de ajudar os estudantes a vivenciarem esse novo momento. Confira as entrevistas a seguir:

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Maria da Glória de Souza é Diretora Geral do Centro de Educação Tempo Novo (CETEN), escola particular de Valença. É Pedagoga, pós graduada em Metodologias de prática de ensino, psicopedagogia, Literatura e Linguística e formação em psicanálise

ENTREVISTA

JVA: Como a senhora avalia o comportamento dos seus alunos nessa retomada das aulas presenciais?

Glória Souza: A adaptação dos alunos ao ensino presencial foi um grande desafio após dois anos de pandemia. Nossos alunos demonstram-se ansiosos, inquietos, apresentam dificuldades com a rotina das aulas presenciais, hábitos que estamos reconstruindo aos poucos para readaptação a nova realidade.

JVA: Tem percebido dificuldades de socialização e interação de alunos em sua escola?

Glória Souza: É natural para o ser humano conviver com outros indivíduos e com eles estabelecerem algum relacionamento. Ficar dois anos praticamente isolados é um grande prejuízo para os nossos estudantes. É crucial para a evolução do processo de aprendizagem, estabelecer laços socioemocionais, compreender melhor a nossa própria personalidade e aprender a se posicionar diante de pessoas e opiniões.

Os nossos alunos retornaram com sede de socialização, interação. Porém, percebemos que a ansiedade por esta busca perdeu as medias, necessitando do apoio dos educadores para mediar alguns conflitos.

JVA: A família ganhou uma responsabilidade ainda maior nesse pós-pandemia? Fale sobre.

Glória Souza: Mais do que nunca a escola necessita desta parceria para que possamos juntos, atender às necessidades destes alunos em relação a aprendizagem, comportamento, rotina de estudo, bem como os seus conflitos internos.

JVA: O que a escola tem feito em atenção ao emocional dos alunos nesse momento de readaptação ao presencial?

Glória Souza: A escola tem buscado trabalhar em parceria com os pais sempre pensando no respeito aos limites emocionais e o tempo de cada um, pois as estruturas psicológicas humanas são únicas e reagem de formas distintas. Estimulamos tanto o exercício da paciência, quanto as suas próprias limitações, para entender as limitações do outro.

JVA: Ao observar sinais de transtornos psicológicos em seu aluno, quais atitudes a escola toma?

Glória Souza: Os transtornos psicológicos estão presentes em qualquer fase da vida de uma pessoa. É importante que o tema seja discutido para quebrar tabus e preconceitos. Acompanhamos o comportamento do aluno e, se preciso for, encaminhamos a um profissional para um diagnóstico preciso.

A escola acolhe investindo no bem estar individual e das pessoas em volta com o objetivo de melhorar a qualidade de vida deste sujeito.

 

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Oscarina Edington Vieira é professora do Colégio Estadual Gentil Paraíso Martins, em Valença. Graduada em Língua Portuguesa (UNEB). Especialista em Estudos Literários (UFBA), Didática e Avaliação (UNEB), Gestão Escolar (NEAD/UNEB). Mestre em Teologia e Educação Comunitária: Infância e Juventude (EST - RS).

ENTREVISTA

JVA: Como a senhora avalia o comportamento dos seus alunos nessa retomada das aulas presenciais?

Oscarina Vieira: Muitos foram os desafios enfrentados por professores e alunos durante o período crítico desta pandemia da covid 19, dentre eles, destaca-se a questão da saúde mental como ponto fundamental nesse processo de retorno às aulas. Assim como os professores, muitos estudantes têm sinalizados que gostariam de receber apoio psicológico e emocional por parte da instituição educacional para aprenderem a lidar melhor com as angústias, dúvidas e incertezas causadas pelo advento de uma pandemia ainda em curso.

Como professora tenho observado que muitos estudantes evitam expressar seus sentimentos no ambiente escolar como uma forma de protegerem seus sentimentos, diante desta realidade que se impôs para todos nós. Sabemos que a adolescência, período em que se encontra a maioria dos nossos estudantes, é o momento de busca da autonomia e conquista dos espaços sociais. Mais que neste momento, foi vivenciado entre quatro paredes, um celular e um vasto mundo virtual, território ainda mais desconhecido e que com a certeza deve ter gerado um grande estresse emocional.

JVA: Tem percebido dificuldades de socialização e interação de alunos em sua escola?

Oscarina Vieira: Nossos alunos voltaram felizes para o convívio educacional, mas estão completamente desmotivados para os estudos e a aprendizagem. Muitos estudantes têm procurado aparentemente viverem este retorno como se nada tivesse acontecendo. Entretanto, em conversas informais, percebemos que não é bem este o sentimento que trazem dentro de si. Muitos deles vêm sinalizando o desejo de que a escola ofertasse algum tipo de apoio psicológico e emocional para ajudá-los a enfrentarem os desafios de retomada da convivência com seus pares e com os professores, que eles percebem que também precisam de apoio especializado. Infelizmente a escola não dispõe deste serviço em sua carteira educacional.

Muitos adolescentes, homens e mulheres têm demonstrado uma inquietação além das características desta fase. Motivo que tem levado muitos professores, a promoverem dinâmicas e vivências que ajudem os jovens a enfrentarem seus temores, enfim, percebe-se que estamos todos de alguma forma tentando cuidar da própria saúde mental.

JVA: A família ganhou uma responsabilidade ainda maior nesse pós-pandemia? Fale sobre.

Oscarina Vieira: É fato que a família foi chamada a assumir sua responsabilidade perante o processo de desenvolvimento educacional e social de filhos e filhas. Porém, é fato também que ela não recebeu nenhum amparo ou formação para assumir tal responsabilidade.

Educar é um desafio que se impõe para a família tanto quanto para a instituição escolar.  Quando o ensino remoto adentrou a casa do estudante, a educação se fez presente no lar desta família, buscando ser uma apoiadora neste processo. Também é fato que, para educar as novas gerações, a família, assim como a escola, precisa desenvolver as competências necessárias para atuar nesse processo e juntas poderem alcançar seus objetivos comuns e as exigências dos novos tempos.

Nesse contexto, almejo que o período pós-pandemia tenha despertado na família a sua enorme parcela de contribuição na aprendizagem escolar de seus filhos e filhas e se volte como parceira de fato da escola. Somente assim todos sairão ganhando.

JVA: O que a escola tem feito em atenção ao emocional dos alunos nesse momento de readaptação ao presencial?

Oscarina Vieira: Sabemos que as redes sociais não conseguiram assumir o lugar das interações pessoais. Ficou claro, para a sociedade de que a escola não é apenas um local de educação formal, mas também um espaço para as interações sociais. Nela está o grupo, fator preponderante para a construção da identidade do jovem.

O retorno à escola era um anseio do estudante, mas a o esquema do fique em casa, gerou nos estudantes acomodação, medos e inseguranças, voltar a interagir com seus pares tornou-se um desafio, é preciso desenvolver novamente as habilidades sociais de convívio.

Neste contexto, na instituição onde atuo, quem tem dado sua parcela de contribuição são os professores ao buscarem identificar e acolher os estudantes que têm apresentado alguns distúrbios de caráter emocional. Diante de um quadro como este, o acolhimento do aluno e à sua família nos parece a melhor solução. Acreditamos que a aprendizagem se recupera no processo, mas a saúde mental deve receber maior atenção e cuidado para que se mantenha no seu ponto de equilíbrio.

JVA: Ao observar sinais de transtornos psicológicos em seu aluno, quais atitudes a escola toma?

Oscarina Vieira: A escola tem buscado manter um olhar mais atento para esta questão de modo que se possa agir com maior rapidez. Quando o professor(a) percebe que o caso necessita de um acompanhamento mais especializado, o estudante é direcionado para a direção da escola que buscará encaminhar para os mecanismos de saúde ofertado pela rede municipal com a presença e o aval dos familiares, de modo que o estudante seja adequadamente acompanhado e possa restabelecer seu convívio no ambiente escolar com seus pares.

 

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Raíza Sobral Bloizi Sanches é Psicóloga clínica, especializada em Sociologia da Infância.

ENTREVISTA

JVA: É possível que o isolamento social na pandemia tenha abalado de alguma forma a saúde mental dos estudantes?

Raíza Sobral: Primeiramente obrigada por trazer essa temática para a reflexão social, pois assim construímos espaços de troca e aprendizado. Respondendo à pergunta, é possível sim que o isolamento ou distanciamento tenha contribuído para abalos emocionais. Somos seres sociais, vivemos em relação e crescemos quando estamos nelas. É no contato que nos tornamos nós mesmos. Contudo, não devemos considerar os abalos numa relação de causa-efeito. Não foi a pandemia em si mesma que causou algo, ela foi um fator que pode ter colocado questões em evidência, que antes não estavam, pois não somos seres passivos aos acontecimentos, mas reagimos e agimos diante deles. Nem todo abalo também é negativo, uma vez que todo incômodo nos chama atenção para algo importante. Outras situações também colaboram para esses abalos emocionais, como as questões ambientais, sociais e econômicas, as quais vem exigindo que a gente mude e se mova para a ação desde antes da pandemia. O importante é que se construa uma educação voltada para o reconhecimento das nossas emoções, o acolhimento delas, movida para a melhoria de nós mesmos.

JVA: Quais as principais evidências de que um estudante esteja passando por algum transtorno ou doença ocasionados por esse período pandêmico?

Raíza Sobral: Muito importante essa pergunta, pois como profissional da educação, percebo que essa é uma das preocupações no ambiente escolar. Primeiro ponto a se observar é identificar o que já faz parte do jeito de ser daquele ou daquela estudante, observando se antes da pandemia alguns comportamentos já aconteciam ou não, o que está constante e se está acontecendo em diferentes ambientes ou apenas na escola.  Manter o diálogo com a família, com outros profissionais e com a própria criança ou adolescente, sem ideias pré concebidas nem rótulos, também é necessário.  Em geral, a própria pessoa expressa quando não está bem, através da comunicação oral ou não. A criança, por exemplo, expressa muito do que sente no brincar. Cabe a nós ouvirmos e estarmos atentos e atentas a isso. Criar e fortalecer parcerias com os profissionais de saúde do município se faz essencial também, assim o cuidado com outro não fica sob a responsabilidade apenas da comunidade escolar e a capacitação para lidar com diversas situações se torna possível.

JVA: Como a escola pode se comportar ao perceber algum comportamento de caráter emocional em um aluno?

Raíza Sobral: Considerando um olhar integral sobre o ser humano, todo comportamento pode ter esse caráter, pois toda ação comunica um estado emocional.  Mas se estivermos falando em sintomas, de ansiedade, por exemplo, o primeiro passo é ter empatia e acolher a pessoa, muitas vezes sendo necessário sair da sala de aula com ela e ir para outro ambiente da escola onde ela possa se sentir segura, sem estar exposta; acalmar os sintomas que frequentemente vem como suor frio, tremor, falta de ar etc., e estando junto a uma pessoa em que ela sinta confiança. É preciso que as escolas estejam preparadas para essa realidade e um caminho para isso é oferecer formação para seus profissionais, para que eles estejam capacitados para as novas demandas dentro de um ambiente escolar.  Ouvir, dialogar e procurar ajuda de outros profissionais quando necessário também é uma ação de fundamental importância.

JVA: O que a família deve fazer ao perceber dificuldade de readaptação a escola por parte de seu filho(a)?

Raíza Sobral: Inicialmente é importante que a família se perceba como parceira da comunidade escolar, pois ela já faz parte desse lugar, para além da relação de cliente e prestador de serviço. Reconhecer seu papel, seus limites e os da escola, e dialogar são atitudes essenciais, para que assim seja criado um espaço de troca, de confiança e de trabalho em prol da educação de seus filhos. Por isso, pedir ajuda aos profissionais do colégio, que podem contribuir com o processo de adaptação dos estudantes, deve ser levado em consideração, afim de que todos juntos organizem estratégias para as possíveis dificuldades, compreendendo que os conteúdos e prazos precisam ser cumpridos, mas que não há homogeneidade quando se fala de sala de aula e formas de aprender, especialmente após quase dois anos em modalidade remota. É momento de substituir posturas de constante cobrança, sem diálogo, e transferência de responsabilidades, que por vezes podem afastar as soluções e dificultar a readaptação de todos. Não tem como haver um resgate de como se aprendia em 2019 e querer que a educação aconteça da mesma forma, sem sequelas. Toda grande transformação e a adaptação que vem dela, traz dificuldades.

JVA: Qual a importância de procurar um atendimento especializado para tratar doenças como ansiedade e depressão?

Raíza Sobral: Já se sabe que o processo de autoconhecimento, através de atividades terapêuticas, traz muitos benefícios para a saúde. A procura pela Psicoterapia, por exemplo, é de grande importância quando se percebe que a pessoa não está conseguindo lidar com seus sofrimentos da forma saudável e quando isso afeta suas atividades diárias, desregulando o sono, os estudos e prejudicando as relações. É no processo psicoterapêutico que acontece a psicoeducação das emoções e dos comportamentos, de início aparente desconfortável, mas libertador. Contudo, é crucial, primeiro, reconhecer essa necessidade e sempre contar com uma rede de apoio, que é constituída por pessoas que podemos confiar e que estão ao nosso lado para orientar no que for preciso.

JVA: Porque os adolescentes tendem a repetir comportamentos de seus colegas quando estão em grupo?

Raíza Sobral: Ótima pergunta e interessante pensar sobre essa questão que preocupa as famílias. Mas na verdade essa tendência pode ser observada em determinados momentos e em várias fases da vida, desde a infância.

Se pensarmos nos ambientes de trabalho, de celebrações e reuniões, podemos perceber esse comportamento. Ao longo do desenvolvimento, nós buscamos a resposta do outro sobre nossas ações, como uma validação do que fazemos ou não. Há também o sentimento de querer fazer parte do todo, do não desejar ser excluído e do buscar pertencimento no coletivo, ainda que tenhamos nossas diferenças. Contudo, essa busca fica acentuada, em geral, na adolescência, que é quando queremos ter as certezas de quem nós somos, do que gostamos, de reconhecer nossos valores e ideias, reforçar nossas crenças ou questioná-las, pois os acontecimentos desse período exigem isso também, como a escolha profissional e a escolha de amizades, por exemplo. Mas quero pontuar que ainda que estejamos falando sobre a fase da adolescência, sempre falo de adolescências, pois vemos diferentes contextos sociais e isso não pode ser desconsiderado. O que se deve colocar como aspecto essencial é que, sendo adolescente ou não, é preciso que os limites nas relações sejam estabelecidos, o respeito ao outro sempre deve existir, o diálogo com os pais, e o conhecimento sobre si mesmo, ainda que não esteja de acordo com um determinado padrão, para que assim as escolhas sejam feitas de forma ativa, com responsabilidade e consciência, não pela vontade do outro sobre a sua própria.

 

 

 

 

 

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