Eduardo Pereira - matutando

Eduardo Pereira - Historiador, jurista e psicanalista em formação.

A cada instante somos bombardeados pelos meios de comunicação com a repetição de que o Brasil está mergulhado numa crise sem precedentes e que, conforme esses mesmos meios de comunicação, caminhamos para um caos econômico, social, político, cultural e porque não, até psíquico.

Evidencio que não trago aqui, a análise dos mestres e doutos da Economia, porém, uma noção empírica, sem adentrar aos métodos científicos pertinentes àquela ciência (a Economia). Preliminarmente, vale ressaltar que não pertenço a nenhum partido político e nem faço qualquer tipo de militância, parafraseando o Prof. Dr. Milton Santos: “Sou um intelectual outsider “.

Pois bem, vamos aos fatos. No final do ano passado, tive a oportunidade de estar com um conceituado empresário local, e este ao me receber em seu escritório, foi logo me dizendo: “Rapaz que crise medonha é essa!”. Eu de imediato observei que em frente a seu estabelecimento encontrava-se estacionada uma camionete Toyota Hilux  que, pela letra inicial da placa do veículo “P”, evidencia tratar-se de um carro do ano, que consoante a Tabela Fipe, o preço de tal veículo alcança a cifra de R$ 198.800 (cento e noventa e oito mil Reais), incluindo-se taxas e demais despesas de emplacamento supera R$ 200.000,00 (duzentos mil Reais).

De imediato, uma indignação tomou conta de mim: “Como uma pessoa com tamanha condição financeira pode estar a lamentar-se e afirmando que o país está em crise?”. Sei que preocupação ou cuidado com os pobres não deve ser, uma vez que a elite jamais se preocupa com os pobres. No auge da minha indignação e, sabendo que esse meu amigo, além de inúmeros veículos, aí incluindo-se diversos caminhões, também possui as melhores e mais rápidas lanchas de passeio da cidade, para sua recreação nos finais de semana, e que o mesmo nasceu e cresceu na região litorânea, o indaguei: “Então quando você vinha para a cidade de canoa a remo, não existia crise e o país estava melhor?”

Outro dia, saí andando pelas ruas da cidade juntamente  com um amigo, a quem ficticiamente irei chamá-lo  “Gueleu”, pessoa do povo, simples e extrovertida. Era inicio da noite e eu disse-lhe: “Gueleu, vamos ver como a cidade está em crise?”. As ruas estavam repletas de carros novos (Placas iniciais “O” e “P”), a maioria estacionada de forma irregular, pois faltam espaços para tantos carros, motocicletas nem se fala, virou brinquedo de crianças, substituindo os antigos velocípedes e as “monaretas”. Observamos que, parte significativa dos veículos era o “Duster”, cujo valor, conforme a mencionada tabela, pode alcançar a cifra de R$ 77.680,69 (setenta e sete mil, seiscentos e oitenta Reais e sessenta e nove centavos).

Certo dia resolvi sair a pé pelos bairros da cidade, nessa ocasião me fazia acompanhar de uma amiga de nome Minervina, presenciamos  que, os pobres construíram e continuam a construir casas de alto padrão, a maioria com laje, garagem com carros nas mesmas, o que há bem pouco tempo se chamaria de mansões, coisa dantes impossível, quando o salário mínimo valia  US$ 70,96 (ano de 1994). Lembrando que, no ano de 2012,  o salário mínimo alcançou a cifra de U$ 348,08. Mesmo com a tão falada crise, o salário mínimo de hoje é R$ 880,00 que com a cotação do dólar em R$ 3,60, o valor do salário mínimo corresponde a US$ 244,44, ou seja, mais de 300% do que valia em 1994.

Ao visitar ano passado, meu primo “Memeca”, na Região do Piquira, município de Jaguaripe, assustei-me, pois havia visitado meu primo no ano de 2002 e a pobreza era generalizada na região. Agora encontrei a família de “Memeca” e seus vizinhos, maioria parentes ou compadres e comadres, morando em casas de construção, rebocadas, pintadas, com piso de cerâmica, coisa antes impensada, pois moravam todos em casas do tipo “sopapo” (casas de barro cobertas com palhas de marimbu, tipo conhecido por rancho ou choupana). Ônibus escolares  para levarem e trazerem as crianças para as escolas da sede do município e até para a faculdade em Nazaré. A energia elétrica que há várias décadas a rede geral da Coelba passava por cima dos antigos casebres, sem que fosse providenciado um transformador a fim de que os moradores do Piquira pudessem desfrutar do mínimo conforto trazido pela energia elétrica, agora “Memeca” havia jogado fora seu antigo “fifó”  feito com uma garrafa de gasosa Fratelli  Vita, com pavio de coberta dorme-bem  velha, queimando querosene de péssima qualidade, pois a região estava eletrificada e o antigo “fifó” perdeu a sua utilidade; carro na porta e motocicletas de seus filhos e netos substituíram, o hoje velho e aposentado jegue de nome “Zambeta”. Televisão de plasma na sala e sofás em substituição às antigas tarimbas e tamboretes de pau-a-pique.

Despedindo-me dos familiares, rumei para Valença, no intuito de pernoitar no Morro de São Paulo, já no cais daquela cidade turística, fui informado que não poderia pernoitar na dita localidade, pois hotéis e pousadas estavam com 100% de ocupação, aí eu imaginei que seriam os gringos, devido a alta do dólar, entretanto numa conversa fui informado por um marítimo dono de uma lancha que atende pelo nome de “Pepeto” que a quase  totalidade dos  passageiros que embarcaram no cais era composta por brasileiros. Rumei a Camamu, onde de igual modo não me foi possível ir pernoitar em Barra Grande, pelo mesmo motivo. Em Itacaré depois de bater na porta de todos hotéis e pousadas sem encontrar uma vaga, acabei às cinco da manhã indo bater na porta de uma “prima distante”, de nome Anacleta,  também conhecida por “Cletinha”, que me deu dormida e o de comer.

Em todo esse trajeto, do Piquira a Itacaré, encontrei, o povo bebendo cerveja, comendo, carros com sons caríssimos em volumes ensurdecedores, homens sem camisas, ou seja, nus da cintura para cima e mulheres jovens, seminuas, a dançarem de maneira lasciva, como a se prepararam para o coito irresponsável e uma prole futura, criada sem saber quem é o pai. Tudo isso numa alegria “infernal” que nem mesmo o mestre Darcy Ribeiro conseguiu explicar o porque de tamanha alegria vinda de um povo tão sofredor.

De fato não dá para um leigo entender  que o país vive uma crise, o que não quer dizer que do ponto de vista econômico e da geopolítica, vivamos num “mar de rosas”, mas estamos distantes da crise propagada pela mídia. Não nos esquecendo de que, segundo Pablo Villaça, quando nos damos conta disso, percebemos por que os colunistas políticos [e a mídia de forma geral] insistem tanto em pintar um retrato tão sombrio do país. Porque estão escrevendo [e falando] as palavras desejadas pelas corporações que os empregam.

 

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