Nos últimos meses duas pessoas foram vítimas fatais de afogamento na Praia de Guaibim, em Valença

O calor é um convite para aquele mergulho no mar, mas esse lazer prazeroso pode esconder uma armadilha que causa diversos afogamentos: as chamadas "correntes de retorno", conhecidas também como “caldeirões”, que podem acontecer em vários locais da praia, mesmo aqueles aparentemente tranquilos. Esse fenômeno, que é uma das maiores causas de afogamento nas praias com onda da costa brasileira, é consequência do refluxo do volume de água que retorna da costa de volta para o mar, em virtude da força gravitacional.

A praia de Guaibim, principal destino turístico de Valença, recebe milhares de pessoas todos os anos - entre nativos e visitantes de cidades e estados vizinhos - para aproveitar seus atrativos naturais. Por este fluxo maior, especialmente nos períodos de alta estação, as notícias de afogamento surgem com bastante frequência.

No último dia 30 de setembro, um turista de Brasília, de apenas 27 anos, morreu afogado no Guaibim, na localidade do Taquari. Mais uma vítima foi registrada no dia 8 de outubro, desta vez um jovem de 18 anos, morador de Valença, que se afogou na localidade do Guaibinzinho. Infelizmente, notícias como estas são constantes, especialmente nessa época do ano, e uma das formas de diminuir as mortes por afogamentos seria a informação. Por isso, neste Você Agora, trazemos uma entrevista com o militar da Reserva da Marinha, o morador do Guaibim, Capitão de Fragata Adilton Rocha de Azevedo, que nos traz uma série de orientações, entre elas, sobre como identificar caldeirões. Confira a seguir:

Adilton Rocha, Capitão de Fragata da Marinha - Reserva da Marinha Brasileira (Foto: Arquivo Pessoal)

JVA: Adilton, vivemos um momento muito delicado com várias ocorrências de afogamento no Guaibim, em virtude dos caldeirões, como são conhecidas as correntes de retorno por aqui. O que você pode contribuir conosco em relação a esses acontecimentos?

Adilton Rocha: Existe um fenômeno, que é o fenômeno da maré cheia e da maré baixa. O nosso planeta tem uma defasagem no eixo vertical imaginário de cerca de 23 graus. E existe o movimento de rotação e o movimento de translação da terra, ou seja, o movimento da própria Terra em torno de si mesmo e o movimento dela em torno do Sol. na medida em que a Terra vai girando, essa água vai se posicionando em algum lugar. É por isso que o mar vai enchendo em alguns lugares e esvaziando no sentido oposto, formando as marés. Isso nada mais é do que uma grande onda, só que é uma onda, digamos assim, lenta, porque ela tem um período para que isso possa acontecer. Mas essa grande em torno ou a partir dessa grande onda, nós temos outras ondas menores que são as que nós vimos na superfície do mar. Essas ondas que nós conseguimos ver a olho nu, é o que vai determinar esses fenômenos com relação a alguns afogamentos.

JVA: Então as ondas são importantes fatores na formação dos caldeirões?

Adilton Rocha: Sim. Porque quando a onda se forma, ela vem na direção da praia e, obviamente, como essa água está contida em todo esse ambiente, ela vai ter que retornar. Então, ela está sempre ali, hora vai e hora vem. Na hora que ela retorna, gera uma corrente chamada de corrente de retorno. A onda se forma lá fora, vem em direção à linha da praia, e chega um determinado momento onde vai haver uma zona chamada de zona de arrebentação. É quando a onda que vem se choca quando está retornando. É essa corrente de retorno que causa uma série de situações para os banhistas, sobretudo os desavisados, que não sabem identificar esse fenômeno.

Esse fenômeno gera valas com bastante profundidade, e, são justamente nessas valas que os banhistas, por não conhecerem a existência desse perigo, vem adentrando ao mar pisando em terra firme, e de repente, entra numa vala dessa, não sabendo nadar ou não sabendo lidar com a força da natureza, com a força da corrente de retorno. Consequentemente, vem a situação de perigo de afogamento. O turbilhonamento no retorno dessa água de corrente faz com que a areia se levante e em sequência surja essa vala. Essa corrente de retorno volta procurando um local para ela encontrar o caminho dela e aí forma os parafusos, formato de espiral, que puxa o banhista. Uma vez ele entrando esse espiral, para sair ali é complicadíssimo.

Somando-se a isso, outras situações como o vento, temperatura da água, porque na medida em que as águas têm temperaturas diferentes, elas têm densidade diferente e comportamento diferente.

JVA: É por causa desses fatores, que muitas vezes, surgem animais de água gelada em regiões mais quentes, a exemplo dos pinguins?

Adilton Rocha: Exatamente. Os pinguins saem de zonas frias, da região da Patagônia, e vêm por tubos de água fria, porque as correntes marítimas caminham em direções diferentes. No mesmo local, você tem diversos caminhos para aquelas correntes transitórias. Então, esses animais que são de zona fria, chegam aqui através desses “tubulões”, ou correntes marítimas que vêm. Então, os afogamentos vêm se acontecendo por conta dessa situação do banhista não conhecer esse funcionamento, não ter intimidade com o mar e, portanto, não saber identificas as zonas de perigo.

JVA: Quais medidas podem ser tomadas para prevenir afogamentos no Guaibim?

Adilton Rocha: É imprescindível que haja equipes de salva-vidas e que elas estejam bem equipadas e capacitadas para realizar o salvamento, porque uma pessoa que não tem conhecimento em lidar com vítima de afogamento, se ela entrar no mar de qualquer maneira, os dois irão morrer. É preciso dominar a técnica de salvamento no mar e tão importante quanto, é dominar os procedimentos de primeiros-socorros, após resgate no mar.

Os postos de salva-vidas têm que estar identificados. Se o socorrista está sempre no solo, ele não tem um posto de observação, como ele vai poder identificar, no meio de tanta gente, que está havendo algum tipo de problema? Então, o salva-vidas tem que estar em uma zona proeminente para que dali ele possa fazer uma cobertura, e, a partir do momento que cessar sua área visual, já existir um outro posto e daí por diante.

Outro ponto crucial é o banhista saber identificar os perigos no mar, saber onde há uma corrente de retorno. Existem algumas situações básicas que ele pode identificar, como água barrenta num determinado trecho, que é sinal de que ali está havendo uma corrente de retorno. A ausência de espuma na onda também é um indício que há corrente de retorno em razão da profundidade naquele local. Um outro fenômeno que é muito forte em relação a isso são as temperaturas da água, porque são as temperaturas que fazem com que essas correntes de retorno sejam mais incidentes e mais violentas ou não. Porque ela muda de densidade, e no que ela muda de densidade, muda de comportamento na forma de transitar.

Os próprios banhistas têm que ter cautela e jamais entrar no mar alcoolizado. Como os bombeiros pregam: “Agua no umbigo é sinal de perigo”. Com água acima do umbigo, qualquer movimento do mar é o suficiente para fazer com que o banhista perca sua estabilidade de sustentação.

JVA: Em relação a existência dos caldeirões em determinados locais da Praia, é possível alguma medida preventiva?

Adilton Rocha: O socorrista salva-vidas tem por obrigação identificar essas áreas com a colocação da bandeira vermelha ou placas. Principalmente porque essas zonas não ocorrem sempre no mesmo lugar. Elas ocorrem em locais diferentes a depender de circunstâncias como temperatura da água, vento e uma série de outros fatores. Portanto, não se pode dizer que determinada área onde aconteceu um acidente, vai sempre estar acontecendo, poderá ou não. O que vai determinar isso, são os diversos fenômenos que fazem com que existam essas correntes de retorno. Podemos dizer onde há uma incidência grande de ter essas correntes, mas não se pode categoricamente afirmar que sempre vai estar ocorrendo essa situação.

JVA: Se o banhista for puxado pelo caldeirão, o que ele deve fazer sobreviver?

Adilton Rocha: Sabemos que o medo, o pânico, fazem com que percamos a condição de raciocinar. Então, a primeira coisa a se fazer é tentar manter a calma e sinalizar para que vejam que você está precisando de ajuda. Não se deve nadar em direção à praia, mas sim na linha paralela à linha da praia. É uma das formas que você tem para sair da corrente de retorno.

JVA: Como morador do Guaibim, como você observa a estrutura de salva-vidas existente?

Adilton Rocha: Em todas as praias, precisamos de salva-vidas bem treinado, bem equipado e distribuídos adequadamente ao longo da praia. A praia de Guaibim tem praticamente cinco quilômetros, então, não se pode ter um, dois salva-vidas. Tem locais na praia que não estão sendo muito frequentados, e entende-se que ali não tem perigo. Então, o salva-vidas não está presente, e a área fica totalmente sem supervisão, caso aconteça um afogamento. O que percebemos também é que eles não estão equipados adequadamente.

Suas considerações finais, Adilton?

Adilton Rocha: Eu acredito que as condições de prevenção de afogamento passam pelo poder público. Há um tempo, eu fui designado para ser o presidente do Conselho de Segurança Pública do Guaibim. Quando exerci essa atividade, com muita dificuldade, com muito sacrifício, eu questionei e briguei por muitas coisas e uma delas foi essa dos salva-vidas para que eles pudessem estar identificados, qualificados e bem equipados. Uma das coisas, por exemplo, que é quase que mandatório que um socorrista tenha, é um jet ski, ferramenta importantíssima para o seu deslocamento fora da linha da praia para observar o que está acontecendo.

O poder público precisa investir um pouco mais nessas questões, tanto na qualificação do pessoal como na equipagem. Não basta ser qualificado e não quer equipagem: óculos, binóculos, colete, enfim, todo o aparato que é de uso normal do socorrista.

 

PT-Infografía 6 - Corriente de retorno

 

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