Artigo com autoria de ¹Paulo Teixeira Cardoso, professor da Faculdade de Educação Social da Bahia - FAESB. 

 

 

A GOVERNANÇA CORPORATIVA E A ATUAÇÃO DOS CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL DE 2008

 

 

RESUMO

O objetivo desse artigo é analisar de que forma a atuação dos Conselhos de Administração, sob a perspectiva da Governança Corporativa, poderia ter minimizado as consequências da má administração na crise financeira internacional de 2008. A partir deste foco verificou-se que a gestão profissional baseada nos princípios clássicos da governança corporativa, essencialmente alicerçada nos fundamentos da responsabilidade social, favorece decisivamente na minimização dos riscos dos negócios em situação de crise econômica. Para fundamentação deste estudo, foram utilizadas pesquisas bibliográficas; a estratégia para responder ao problema e atender aos objetivos de pesquisa foi a prospecção desta temática através do método hipotético-dedutivo com a exploração de artigos especializados. Os resultados indicaram que de fato o conselho administrativo tem papel decisivo na formulação e manutenção da estratégia empresarial, gestão do conflito de interesses e no zelo por decisões que convirjam para a sustentabilidade de longo prazo e garantam a sobrevivência organizacional, mediante a utilização de mecanismos e técnicas gerenciais que visam a alta performance organizacional e favoreçam a atuação em situação de incertezas, especialmente em momentos de crise, constantes mudanças no ambiente organizacional, hostilidade entre concorrentes, fusões, aquisições, parcerias etc., ou seja, em contextos que será demandado naturalmente da empresa a capacidade adaptativa diante da mutabilidade volátil do ambiente competitivo globalizado.

 

Palavras-Chave: Crise Econômica. Governança Corporativa. Responsabilidade Social.

 

ABSTRACT 

The aim of this paper is to analyze how the actions of the Board of Directors, from the perspective of corporate governance, could have minimized the consequences of maladministration in the international financial crisis of 2008. From this focus there was that professional management based the classic principles of corporate governance, essentially rooted in the foundations of social responsibility, decisively favors the minimization of business risks in the economic crisis. For reasons of this study, we used bibliographical research; the strategy to address the problem and meet the research objectives was the prospect of this issue through the hypothetical-deductive method to the operation of specialized articles. The results indicated that in fact the board has a decisive role in the development and maintenance of business strategy, conflict of interest management and zeal for decisions that converge to the long-term sustainability and ensure organizational survival by using mechanisms and techniques management aimed at high organizational performance and increase the chance in a situation of uncertainty, especially in times of crisis, constant changes in the organizational environment, hostility between competitors, mergers, acquisitions, partnerships, etc., ie, in contexts that will naturally demanded the company adaptive capacity in the face of volatile mutability of globalized competitive environment.

Keywords: Economic Crisis. Corporate Governance. Social Responsability.

 

INTRODUÇÃO

 Uma organização é uma elaboração subjetiva daquilo que as pessoas dão significado ao seu ambiente com base em sua própria bagagem cultural. A empresa é como outras coisas que já vivenciaram e normalmente retrata modelos, crenças, valores e ideias familiares a elas.

Desta constatação pode-se fazer uma analogia da empresa com o ser humano e sua constituição: corpo, espírito e alma. Sendo assim, às pernas seriam a parte operacional comumente chamada de “chão de fábrica”, onde produtos e serviços ganham vida. O tronco é a parte tática com sua estrutura gerencial que lida com os conflitos entre o topo e a base e executa a estratégia corporativa. Os braços são as assessorias que produzem informações para a tomada de decisões.

Entretanto, é na cabeça da empresa que reside as decisões vitais de sobrevivência, pois dela se espera a formulação da estratégia competitiva, visão, missão e valores organizacionais. Todo pensamento filosófico (alma), concepção do negócio, inteligência de mercado, com monitoramento do ambiente empresarial competitivo, passa pela análise cerebral da cabeça. Além disso, espera-se desta a escolha correta dos líderes que farão a estratégia sair do papel, pois o “espírito de liderança” é que transfere para as estruturas o pensamento estratégico.

Não é por acaso que Frederick Winslow Taylor, pioneiro da Administração, cunhou a máxima “uns pensam e outros executam” em alusão ao comportamento das organizações.Um pensamento estratégico errado, especialmente em momentos de crise, pode resultar no fechamento de uma organização, independente do seu porte. A expressão “miopia de mercado” é utilizada para demonstrar o quão danoso pode ser não enxergar de longe as tendências do ambiente empresarial.

Diante disto, este artigo busca responder ao seguinte problema: de que forma a atuação dos Conselhos de Administração, sob a perspectiva da Governança Corporativa, poderia ter minimizado as consequências da má administração na crise financeira internacional de 2008?

Deste questionamento extraem-se o objetivo geral: analisar de que forma a atuação dos Conselhos de Administração, sob a perspectiva da Governança Corporativa, poderia ter minimizado as consequências da má administração na crise financeira internacional de 2008; e os objetivos específicos: levantar informações sobre a crise econômica de 2008; caracterizar concepções teóricas sobre a atuação de conselhos de administração; e identificar fatores que contribuem para uma atuação do conselho de administração baseada nos princípios da governança corporativa.

Justifica-se este estudo da necessidade adaptativa que as organizações precisam demonstram diante da mutabilidade do ambiente empresarial com ênfase nas crises econômicas que são historicamente a origem de ações internacionais para evitar efeitos conjunturais e estruturais devastadores, a exemplo, a criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Neste trabalho utiliza-se do método de abordagem hipotético-dedutivo com pesquisa bibliográfica para responder ao problema e atingir os objetivos. Estrutura-se com introdução da temática e apresentação do viés de pesquisa. Segue-se ao desenvolvimento do mesmo com o elenco de visões de diferentes autores sobre a crise econômica de 2008, atuação do conselho de administração e governança corporativa; conclui-se com a retomada dos principais aspectos, resposta ao problema e objetivos da investigação.

 

A crise econômica mundial de 2008

 Segundo Lal, Miller, Lieuw-Kie-Song, e Kostzer (2010, p. 2), a crise de 2008 tem origem no mercado imobiliário, quando a chamada “bolha imobiliária” norte americana, fruto da elevação irreal dos preços dos imóveis, “estourou” após especulação no mercado hipotecário, onde instituições financeiras, lideradas por bancos, necessitavam gerar empréstimos, mas, contudo, sem demanda, uma vez que havia situação de bonança por bons salários, bons empregos etc.

Uma crise financeira é normalmente desencadeada quando há, em determinada nação, um maior número de agentes pessimistas em relação aos demais. Suas principais consequências são a desvalorização de ativos financeiros e a liquidez de diversas instituições, ou seja, a confirmação e o agravamento dos motivos que geraram pessimismo inicial. (POMBAL, 2010, p. 46).

A imprudência das instituições financeiras residiu no fato de ofertaram empréstimos com baixas taxas a mutuários com perfil de maior risco de crédito nos Estados Unidos. Conforme Mizen (2008, p. 3), os títulos gerados nas operações foram comercializados no mercado financeiro subclassificado, todavia tomados por garantia nas negociações de créditos interbancários.

A época, a rápida mudança neste cenário econômico, que pegou algumas empresas de surpresa, foi de centralização imediata de todas as decisões com os CEO’s(do inglês Chief Executive Officer) ou presidentes executando o que se convencionou chamar por “sentar no caixa” das organizações, traduzindo a ação reacionária diante de um momento empresarial que não permitia decisões erradas.

A crise do credito ou crise americana como ficou conhecido este fenômeno, foi analisada como um momento de ajuste da sistemática financeira e econômica e, para Ivashina & Scharfstein (2010, p. 5) teve como principal consequência a retração drástica dos empréstimos bancários.

 

Atuação do Conselho de Administração

Especialmente em períodos de crise, o Conselho de Administração é o órgão estratégico de maior relevância e responsabilidade numa organização porque dele demandam decisões que respondem pela sobrevivência empresarial num cenário hipercomplexo e de concorrência globalizada.

Deste modo, passa a ser de fundamental importância a identificação do grau de liberdade desfrutado pelo conselho de administração, para adotar medidas que protejam os interesses da totalidade do corpo de acionistas e não apenas de determinado grupo em particular – no caso, os controladores. No caso brasileiro, a aferição desta maior liberdade do conselho de administração não deve ser medida pela sua independência em relação aos executivos, mas em relação a estes acionistas controladores. (DUTRA e SAITO, 2002, p. 10).

Madalozzo (2011, p. 10) afirma que a razão de existência do Conselho de Administração está na garantia de execução do princípio contábil da entidade em que os interesses pessoais são dissociados dos interesses empresarias. Espera-se que o Conselho tome decisões baseadas na gestão profissional com vistas à eficiência, eficácia e proteção dos interesses dos shareholders e stakeholders.

Essa visão é convergente com o que afirma Bichuetti (2010, p. 12) ao defender que o zelo do Conselho de Administração deve recair prioritariamente na preponderância dos interesses da empresacom prevenção focada na gestão de conflitos provenientes na divergência de opiniões cujos interesses podem desviar a visão das diretrizes estratégicas da corporação.

Besse (1957, p. 10) há muito tempo projeta que a natureza estratégica do Conselho de Administração siga uma alocação ideal de tempo médio de planejamento na organização que considere 67% empregado no pensamento de longo prazo. Muitos líderes são considerados “tarefeiros” ou fazedores de tarefas porque invertem essa lógica e concentram-se em ações operacionais de curto prazo, a exemplo do que ocorreu com o mercado volátil no “estouro” da crise de 2008.

Nessa perspectiva Bichuetti (2010, p. 24) afirma que o Conselho de Administração não deve interferir em assuntos operacionais, mas estar atento às oportunidades e ameaças dos negócios, aos riscos de decisões de investimento e às pessoas que possuem expertise para avaliar assuntos específicos de maior complexidade através do benchmarking das melhores práticas de governança corporativa e da implantação da visão sistêmica diante dos cenários estratégicos.

Com o conceito de organização como sistema aberto, a empresa passou a ser vista como um subsistema do ambiente empresarial. Cresceu a certeza de que a eficácia organizacional está intimamente ligada às respostas da empresa na relação direta com o meio ambiente externo.

A palavra contingência demonstra o pensamento central que deve ser exercitado pelos conselhos de administração ao lidar com análises de cenários e situações de crise, na medida em que significa aquilo que pode, ou não, suceder ou existir; algo duvidoso, eventual, incerto. O grau de incerteza ambiental requer que a empresa possua flexibilidade em sua estrutura e funcionamento para atender as variações externas e obter eficácia.

Se a necessidade faz o homem, é a contingência é que faz a organização! Torna-se necessário um modelo de organização com um desenho que se encaixe perfeitamente às demandas de cada situação. Muda-se o ambiente, muda-se a tecnologia, muda-se a estrutura organizacional... E este ciclo não para.

Enquanto os primeiros teóricos da organização se preocuparam excessivamente com o seu interior, mapeando tarefas e estruturas organizacionais atualmente, a interdependência ambiente-empresa desloca o olhar do conselho de administração para fora da organização. Tudo é relativo tendendo para o absoluto! As características do ambiente de negócios vão determinar o que é relevante para a organização.

As contingências ambientais seguem uma lógica sistêmica e requer uma estreita, ajustada e profunda inter-relação das empresas como subsistemas do supra-sistema ambiental. Desta forma delimita o espaço físico das organizações e o diferencia das fronteiras do ambiente externo.

Segundo Chiavenato (2000, p. 141) a escola ambiental da Administração, como também ficou conhecida a teoria da contingência, teve origem nas diversas pesquisas que buscavam um modelo estrutural ideal para o alcance da eficácia em determinados tipos de empresas. Taylor defendia que existia um único modo melhor de fazer as coisas (the best way), mas as investigações provaram exatamente o contrário: que a estrutura deveria variar conforme as condições ambientais.

Maximiano (2000, p. 70) afirma que a abordagem ambiental ficou conhecida com a escola do “se e então”. A exemplo, se as variáveis do meio ambiente empresarial demandarem a existência de certos fatores, então a estrutura da empresa deveria variar conforme a situação, por meio da tecnologia a ser utilizada e dos sistemas de gerenciamento aplicados.

Partindo deste princípio, os conselhos de administração devem atuar considerando que o planejamento estratégico deve ser projetado com flexibilidade para permitir adaptabilidade às contingências e contextos empresariais mutáveis. Sendo assim, o órgão máximo da governança corporativa deve implantar um sistema de previsão de múltiplos cenários que variam na razão direta da variação ambiental, podendo assumir uma gama interminável de perfis para manter-se em equilíbrio.

Porter (1997, p. 30) prevê estratégias genéricas com perfis diferentes para que a empresa se adéqüe às necessidades do ambiente concorrencial: liderança de custo, foco ou diferenciação. A organização deve escolher a estratégia genérica competitiva com base em sua visão e missão, orientando-se para as questões relacionadas à redução de custos ou a inovações. Tudo vai depender do ambiente competitivo em que a organização se encontra. A empresa também deve escolher a estratégia que diz respeito a seu escopo de atuação, que poderá estar orientado para todo o mercado ou apenas para um ou mais nichos. Dessa forma, o mercado-alvo torna-se mais estreito.

Além dos aspectos já abordados, os processos de escolha estratégica devem ser eficientes, eficazes e estar em permanente evolução. Uma forma que os conselhos de administração podem utilizar para escolher a estratégia empresarial em momento de crise é refletir sobre a razão de ser da empresa, ou seja, qual é de fato o “core competence” empresarial, aquilo que a organização faz de melhor e de forma inimitável para não perder a essência de seu foco de atuação.

A exemplo, Porter (1997, p. 35) analisa que só pode existir uma única empresa liderando em custo em determinada indústria. Caso contrário, a batalha por uma parcela de mercado entre várias empresas que desejam a liderança em custos levaria a uma guerra de preços. Essa guerra seria desastrosa para a estrutura de longo prazo da indústria. As empresas que almejam atingir uma posição de liderança nesse quesito devem gerenciar processos internos para reduzir custos de produção com a finalidade de repassar ao consumidor final.

Uma das funções crucias e vitais dos conselhos de administração é liderar o processo de tomada de decisões que objetive atender melhor a seu alvo estratégico com vantagem competitiva em relação aos concorrentes. Deixar de atender a toda a indústria ou a um grande número de seus segmentos pode ser uma decisão estratégica se não possui diversas unidades estratégicas de negócios em diferentes ramos mercadológicos. O escopo estratégico deve ser suficientemente interligado ao mercado alvo, de forma a permitir que a empresa o atenda de modo mais eficiente e mais eficaz.

Sabemos que uma empresa não pode viver sem clientes, fornecedores e parceiros estratégicos. Sendo assim, cabe a cada conselho de administração decidir sobre a melhor configuração a ser adotada para que parcerias com outras organizações fortaleçam a sobrevivência empresarial em momentos de competitividade globalização e conjunturas ambientais desfavoráveis. Por sua vez, é preciso mapear a existência de competidores diretos e indiretos, pois a rivalidades na indústria determina os aspectos do futuro da empresa no mercado.

Para orientar os estudos estratégicos do ambiente em que atua a organização, o conselho de administração deve utilizar modelos que prevejam as forças que influenciam a competitividade. Na análise devem ser considerados as oportunidades, ameaças, pontos fortes e pontos fracos para que o custo de uma oportunidade de ampliar o campo de atuação da organização ou a necessidade de reforçar um ponto forte para se proteger de uma ameaça não passem desapercebidos e tornem a empresa vulnerável.

Além disso, é importante se antecipar aos possíveis riscos do negócio consolidando a corporação a ponto de não permitir a entrada de novos concorrentes no cenário de atuação. Por isso que os conselhos de administração devem prevenir um influxo de empresas, sempre que os lucros permitirem a expansão das ações estratégicas.

Verifica-se que, sob todos esses aspectos estratégicos, faz-se imprescindível um conjunto de princípios de administração, regras técnicas e valores profissionais que norteiem as ações institucionais desenvolvidas pela empresa, com vistas à garantia de transparência quanto ao modelo de gestão empregado.

A adoção de práticas de governança corporativa auxilia a empresa na competição frente aos concorrentes, na busca de sua sustentabilidade no longo prazo e potencializa a capacidade de captação de recursos, seja junto aos sócios ou acionistas, seja junto ao mercado, na forma de financiamentos ou oferta de ações.

Diante deste contexto de concorrência globalizada, as regras que compõem a governança corporativa passam a ter fundamental importância nesse processo, pois as decisões estratégicas do conselho de administração influenciam os rumos da organização, e por isso, as boas práticas de gestão empresarial determinam a sobrevivência da organização.

Governança Corporativa como instrumento de gestão profissional

 Para Andrade e Rosseti (2007, p. 5), a governança corporativa torna-se um instrumento norteador da gestão para os conselhos de administração porque é um conjunto de princípios basilares com propósitos definidos, voltados para a gestão do processo e cuja prática rege o sistema de relações entre os proprietários e a alta administração no turbulento mercado de ações.

Segundo Silva (2006, p. 15), constantemente mais empresas buscam o mercado de capitais e a bolsa de valores como fonte de captação de recursos para o planejamento e financiamento de longo prazo. Os princípios de boa governança corporativa são requisitos obrigatórios para uma administração de excelência, sendo valorizada por todos os interessados no negócio: acionistas, investidores, funcionários, governo etc.

Empresas que não fizeram o IPO (Initial Public Offerring) ou OPI (Oferta Pública Inicial) e não têm ações negociadas em bolsa de valores, têm buscado na Governança Corporativa um importante aliado para implementação de um modelo de gestão que vislumbre responsabilidades partilhadas no planejamento e no processo decisório. Um grande número dessas corporações são de cultura e gestão familiar que precisam de apoio na implantação de um modelo técnico de gestão e no processo de sucessão empresarial. Da mesma forma, organizações do Terceiro Setor, como Organizações Não Governamentais (ONG’s) e outras instituições sem-fins lucrativos encontram na governança corporativa mecanismos para garantir a sua perenidade.

Alguns aspectos das regulamentações e legislações nacional e internacional que têm impactado a forma de gerir empresas, como a lei americana Sarbanes-Oxley e as normas internacionais de contabilidade (IRFS), devem ser executadas para garantir a implantação de regrar padronizadas para atuação no mercado global. Com um processo de globalização da economia cada vez mais intenso, empresas multinacionais precisam cumprir legislações de diferentes países e criar mecanismos técnicos de planejamento, monitoramento e atuação em diferentes cenários mercadológicos, inclusive naqueles que trazem consigo efeitos de crises devastadoras.

Para Andrade e Rosseti (2007, p. 35), em um ambiente extremamente globalizado, com um mercado de capitais sistêmico, a governança corporativa desempenha papel relevante para a garantia de transparência e disciplina no processo de gestão profissional, trazendo maior credibilidade para a organização nos mecanismos de prospecção de recursos para os financiamentos de longo prazo, através das diversas fontes: capital próprio dos sócios, financiamento bancário, financiamento governamental, emissão de ações e debêntures.

Crises econômico-financeiras internacionais refletem a importância de sistemas de governança corporativa implementados sob a ótica da responsabilidade social e sustentabilidade, pois reduzem o risco de má gestão das corporações.

Na visão de Charan (2005, p. 50), a governança corporativa auxilia no processo de compartilhamento de responsabilidades, transmite confiança aos acionistas e investidores e conduz à profissionalização das culturas organizacionais que geram um modus operandi voltado para alcance dos objetivos, metas e resultados empresariais. Além disso, práticas técnico-profissionais projetam uma maior valorização da imagem institucional e de suas ações no longo prazo.

Muitas legislações e normas nacionais e internacionais determinam práticas de governança e sistemas que influenciam os mecanismos de controle interno, relacionamento com investidores, práticas contábeis, entre inúmeras outras atividades do cotidiano das empresas.

A governança corporativa influencia a maneira de planejar e de gerenciar em empresas de capital aberto, bem como no trabalho de profissionais de diferentes áreas como finanças, marketing, recursos humanos, produção, logística, tecnologia da informação etc. Por outro lado, gera princípios de administração a serem utilizados pelos detentores do poder decisório aplicáveis a qualquer tipo de negócio, independente do porte e da pretensão em atuar no mercado de ações.

Dentre os princípios de boa governança corporativa destacados por Bichuetti (2010, p. 38) para que o Conselho de Administração minimize os efeitos de crises e gerencie riscos em ambiente voláteis, o mais recorrente é o da responsabilidade social corporativa porque a base desta concepção envolve salvaguardar a sustentabilidade do negócio.

Em geral, a Responsabilidade Social Corporativa (RSC) está diretamente vinculada à sustentabilidade de longo prazo das empresas. A literatura sobre RSC tem revelado que empresas que se engajam socialmente criam efeitos positivos de longo prazo, como o aumento de valor da empresa, a construção de uma boa imagem, fortalecimento da relação entre stakeholders, redução de alguns tipos de riscos, etc. Note-se que tais efeitos gerados pela RSC, destacados pela literatura, são em geral efeitos positivos de longo prazo. (DU e SEN, 2010, p. 11)

A origem da crise de 2008 é um exemplo clássico de irresponsabilidade social. Pavie (2008, p. 15) ressalta o papel da responsabilidade social em períodos de crise e constatou em sua pesquisa que durante crises econômico-financeiras, firmas responsáveis socialmente têm um diferencial de desempenho financeiro quando a Governança Corporativa é tratada no longo prazo.

Transparência talvez seja o valor institucional que melhor traduza a essência da Governança Corporativa e qualifique a organização para atrair investidores no ambiente globalizado de alta competitividade. Seja na esfera pública, atestado por Marques (2007, p. 11), ou privada, essa tendência que se consolidou com a responsabilidade social e sustentabilidade, lançou luz na gestão profissional que não “empurra para debaixo do tapete” as informações cruciais para decisões de investimento.

Sendo assim, os princípios de Governança Corporativa tendem a agregar valor ao maior ativo intangível desta sociedade digital: a marca. O ranking de empresas transparentes com ênfase na gestão verde e gestão socialmente responsável tornou-se uma ação de visibilidade para as organizações que desejam atrair melhores talentos e abrir as portas para serem “investigadas” por analistas de mercado, acionistas, instituições financeiras, investidores potenciais, clientes/fornecedores, receita federal, funcionários, órgãos reguladores e mídia em geral.

Nesse contexto a clareza ganha destaque entre as medidas necessárias e suficientes para melhoria contínua da Governança Corporativa. Instituições que escondem ou maquiam seus demonstrativos financeiros podem tornar prováveis investidores em pessoas céticas quanto a lisura das ações da organização e ampliar a ação danosa da crise na estrutura de gestão.

 

METODOLOGIA

Para a realização desta pesquisa, foi utilizado o método hipotético-dedutivo. Através da formulação do problema, buscou-se a construção de um modelo teórico com suportes racionais e empíricos para o teste das hipóteses, culminando com conclusões diante do fenômeno social observado.

Quanto ao grau de aprofundamento no conhecimento e explicação do fenômeno pesquisado, caracteriza-se pela natureza descritiva analítica. Divide-se em duas partes. A primeira visou à aquisição de referenciais teóricos sobre o objeto de estudo. Nesta, foi realizada pesquisa bibliográfica, consulta a sites na internet e análise documental para apreciação institucional, para descrição das vertentes que estudam as organizações sob a perspectiva da governança corporativa.

A pesquisa bibliográfica serviu para circunscrever a vastidão de conceitos acerca da temática, apresentando uma constituição essencial com a qual se possa estabelecer um parâmetro de aferição para as ações dos conselhos de administração em momentos de crise.

Esta ação parte da necessidade de criar um modelo conceitual para inferenciais de análise das atuações dos conselhos de administração em empresas de capital aberto. Buscou- se com isto atestar a igualdade das essências, mas abstrair as diferenças individuais.

As referências foram utilizadas para balizar a análise do escopo da problemática. Estrutura-se com introdução da temática e apresentação do viés de pesquisa. Segue-se ao desenvolvimento do mesmo com o elenco de visões de diferentes autores sobre a crise econômica de 2008, atuação do conselho de administração e governança corporativa. Seguem-se os resultados e discussões provenientes das inferências baseadas nas fontes de pesquisa. Conclui-se com a retomada dos principais aspectos, resposta ao problema,objetivos da investigação e sugestões para novas pesquisas.

Segundo Batista; Batista (2010, p. 81) “quando se faz uma determinada pesquisa é necessário citar autores de livros, artigos (revistas ou internet), monografias, dissertações, teses, etc.”. Sendo assim, a revisão teórica acerca da temática desenvolvida nesta pesquisa, aborda fontes de autores diferentes e correntes de pensamento com a interpretação, análise e cruzamento entre percepções sobre o objeto de estudo.

Como limitação desta obra, destaca-se a falta de pesquisa de campo para aprofundar na prospecção de informações e/ou conhecimentos acerca da problemática levantada. Isto decorre da dificuldade na observação de fatos e fenômenos, pois os conselhos de administração não permitem acesso a decisões estratégicas e segredos de indústria, com os quais se poderia estudar a compreensão de vários aspectos no processo decisório no período de crise econômica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Momentos de crise requerem “competências especiais” das organizações que buscam sobreviver nesta contingência que, por vezes, resulta numa enxurrada de fechamento de negócios. Entretanto, por outro lado, gera circunstâncias para fortalecer instituições e abrem espaço para que novas organizações figurem como entrantes potenciais, principalmente se sabem lidar com esta situação.

A literatura especializada estabelece que a responsabilidade social deve ser resguardada pela aplicação dos princípios de governança corporativa para que as ações de gestão empresarial sejam aplicadas com profissionalismo e com vistas a sustentabilidade em momentos de crise.

A globalização da economia impõe ao mundo a interligação sistêmica nas decisões empresariais. A irresponsabilidade em decisões corporativas, consideradas pontuais, gera repercussões estruturais e conjunturais nas economias dos países que formam o globo. A máxima “pensar global e agir local” reflete a busca de ações organizacionais que consideram a importância da aplicação da visão holística nas escolhas estratégicas.

Os referencias teóricos convergem na importância que recai sobre a atuação dos conselhos de administração como guardião da governança corporativa para inibir a preponderância de interesse pessoais em detrimento de objetivos organizacionais sustentáveis. As instituições internacionais estão se organizando constantemente para assegurar uma concorrência pura, reta e justa e, especialmente, para evitar que a motivação que gerou a crise econômico-financeira de 2008 se repita.

A palavra de ordem “transparência” torna-se a tônica de atuação dos organismos internacionais que concretizam ações através da Lei Sarbanes Oxley e das normas internacionais de contabilidade (IFRS), cuja finalidade é regular o comércio de ações no mercado de capitais, garantido aos shareholders e stakeholdres informações financeiras e demonstrativos contábeis verídicos para decisões de investimento.

Sendo assim, os conselhos de administração passam a desempenhar uma função crucial porque devem validar dados empresariais que serão expostos aos investidores atuais e futuros. A inobservância da transparência e a divulgação de informações e projeções financeiras inverídicas desqualificam a imagem institucional pondo em risco o valor das ações no mercado de capitais.

Por outro lado, respondem por decisões estratégicas, analisando oportunidades, ameaças, pontos fortes e pontos fracos. A análise incorreta do ambiente empresarial pode ocasionar a miopia de mercado e, por conseguinte, não prevenir a organização de situações como as deflagradas pela crise de 2008.

Como o planejamento estratégico é atribuição dos conselhos de administração que possui um componente temporal, as projeções devem considerar cenários otimistas, pessimistas e realistas para que os planos de ação sejam formulados permitindo mudanças e correções de rumo no caso de situações críticas desfavoráveis acontecerem.

A atuação dos conselhos de administração deve ser extremada na prudência ao pensar antes de agir nas decisões que envolvem riscos elevados dos recursos financeiros, materiais, mercadológicos, humanos etc. nas situações de concorrência globalizada.

Como é o órgão elo de ligação entre a propriedade e a gestão, o conselho de administração deve ensejar um direcionamento estratégico guardião do objeto social empresarial e dos sistema de governança corporativa para resultar na sustentabilidade organizacional.

O monitoramento do planejamento a longo prazo torna-se imperativo para que o compromisso com os resultados seja pautado na geração de riqueza e retorno do investimento. Além disso, decisões fundamentadas em técnicas de gestão profissional e proposições eficazes devem ser a tônica para blindar a organização de contingências negativas e precaver de crises econômico-financeiras como a de 2008.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A evolução do ambiente empresarial demanda uma profissionalização de tal forma que algumas empresas ainda hoje possuem dificuldade em se adaptar ao modelo de gestão internacional. Talvez a capacidade de adaptação aos padrões da Qualidade Total (TQC), às Normas Internacionais da Contabilidade (IFRS) e aos ditames da Governança Corporativa seja o maior desafio das empresas para conviver com uma nova realidade de concorrência globalizada e crises econômicas.

A gestão de crises requer das empresas profissionalismo no planejamento das ações e estruturação transparente de um modelo gerencial de alta adaptabilidade às intempéries e sazonalidade voláteis de ambientes de complexidade extremada e turbulências repentinas.

Por isso, seguir os padrões da Governança Corporativa para comercializar produtos e serviços em escala global, com a máxima “Pensar Global e Agir Local” consolidou-se como modelo da gestão e impôs às empresas o abandono de uma cultura familiar arraigada no amadorismo e nos apadrinhamentos por laços consanguíneos, quando, em verdade, o ideal sempre foi buscar uma estrutura profissional baseada num processo decisório voltado para resultados de alta performance e sobrevivência neste mar revolto da competitividade multinações.

O desenho que se descortina para o futuro fatalmente ajustará o fechamento das organizações que resistem a este modelo de gestão, haja vista que a tendência de Responsabilidade Social e Sustentabilidade são a base da Governança Corporativa, dos demais modelos de gestão profissional e dos protótipos das organizações do porvir.

Cabe a cada corporação, estudar a fundo esta nova realidade organizacional e se adaptar aos indicadores das empresas com benchmarking de excelência, sob pena de contemplarem suas ações (no duplo sentido: títulos do mercado de capitais e no sentido de operações para as empresas que não se enquadram neste perfil) não receberem novos aportes e investimento de capital dos shareholders e stakeholders.

Como as organizações são formadas de pessoas e, especialmente, como aqui tencionou-se, a atuação dos Conselhos de Administração depende de pessoas; um outro viés a ser explorado em pesquisas futuras, poderá ser a relação ideal entre o perfil profissiográfico para os componentes de conselhos de administração, que esteja alinhado às exigências das competências requeridas para atuação em momentos de crise.

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1Mestrado em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social pela Fundação Visconde de Cairu (2006), Especialização em Gestão de Instituições de Educação Superior pela Faculdade Maurício de Nassau (2010), Especialização em Pedagogia Universitária pela Faculdade Baiana de Ciências (2007), Especialização em Administração de Pequenas Empresas pela Faculdade Ruy Barbosa (2002) e Graduação em Administração de Empresas pela Faculdade Ruy Barbosa (1998). E-mail: paulocardoso@cairu.br.

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