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"Uma mulher é morta a cada duas horas no Brasil". É o que diz o portal de notícias G1, numa matéria publicada no dia internacional da mulher - 08 de março de 2019. Essa estatística traduz que, em tempos modernos, é nítido enxergar que a população brasileira ainda é bastante vilipendiada. Tal sofrimento está diretamente associado às feridas, ainda, abertas de uma sociedade embasada numa educação machista e patriarcal, atreladas a sua existência há muito tempo.

No período colonial e até o século XIX, vigorava no Brasil um conjunto de leis que punia e previa a execução de uma mulher adúltera. Era lícito ao homem casado matar a esposa em flagrante delito pelo argumento da defesa da honra. Assim, a Justiça brasileira absolvia maridos assassinos.

Até metade do século XX, era comum situações em que maridos assassinaram suas companheiras e receberem penas brandas por alegarem crimes passionais e a defesa da honra. Esses crimes seriam motivados “por amor” ou uma “forte paixão”, induzindo o réu a eliminar a vida da vítima. A partir de 2015, o Brasil alterou o Código Penal Brasileiro e incluiu a Lei 13.104, que tipifica o Feminicídio como homicídio, reconhecendo o assassinato de uma mulher em função do gênero.

O crime de homicídio prevê pena de 06 a 20 anos de reclusão. No entanto, quando for caracterizado feminicídio ele é considerado hediondo e a punição é mais severa, parte de 12 anos de reclusão. Para reconhecer uma morte como feminicídio e não como um assassinato comum, a Justiça brasileira investiga as características relacionadas aos contextos em que ocorrem, como as circunstâncias e as formas de violência empregadas que resultaram na morte da mulher. Desde a implementação da Lei 13.104, o número de sentenças em casos de feminicídio registrou crescimento contínuo, o que reflete a adesão dos juízes à lei. O último levantamento do Ministério da Justiça é de 2017, quando foram registrados 4.829 novos casos nos tribunais, quase o dobro do que no ano anterior.

O crime de feminicídio íntimo está previsto na legislação desde a entrada em vigor da Lei nº 13.104/2015, que alterou o art. 121 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940), para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Assim, o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino, isto é, quando o crime envolve: “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

Isso não indica, no entanto, que toda mulher assassinada é vítima de feminicídio. Trata-se de um crime de ódio, no qual a motivação da morte precisa estar relacionada ao fato de a vítima ser do sexo feminino.

A palavra Femicídio foi difundida na década de 1970, pela socióloga sul-africana ¹ Diana E.H. Russell (“femicide”, em inglês).  Com esse novo conceito, ela contestou a neutralidade presente na expressão “homicídio”, que contribuiria para manter invisível a vulnerabilidade experimentada pelo sexo feminino em todo o mundo

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de assassinatos chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres. O Mapa da Violência de 2015 aponta que, entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram por sua condição de ser mulher.

As mulheres negras são ainda mais violentadas, segundo pesquisa da OMS. Apenas entre 2003 e 2013, houve aumento de 54% no registro de mortes, passando de 1.864 para 2.875 nesse período. Muitas vezes, são os próprios familiares (50,3%) ou parceiros/ex-parceiros (33,2%) os que cometem os assassinatos.

Com a Lei 13.140, aprovada em 2015, o feminicídio passou a constar no Código Penal como circunstância qualificadora do crime de homicídio. A regra também incluiu os assassinatos motivados pela condição de gênero da vítima no rol dos crimes hediondos, o que aumenta a pena de um terço (1/3) até a metade da imputada ao autor do crime. Para definir a motivação, considera-se que o crime deve envolver violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

O número de casos de feminicídio na Bahia cresceu 17% no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 41 ocorrências em 2018 e 48 até junho deste ano, segundo dados já divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP). O aumento nos casos de mulheres assassinadas pelos companheiros no interior do estado, passou de 37 para 42 situações. Na capital, o número saltou de 4 para 5 casos.

A Secretaria de Segurança Pública da Bahia, está capacitando os servidores para que eles ofereçam atendimento especializado nas delegacias para as mulheres vítimas de agressão. Atualmente, apenas 15 dos 417 municípios da Bahia tem uma Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam).

A Polícia Militar da Bahia está apostando em ações direcionadas para conter a criminalidade. Segundo o comandante geral da PM, Cel PM Anselmo Brandão, (em entrevista ao Jornal Correio da Bahia) a corporação está mapeando 50 municípios onde o crime está em escalada maior e vai atuar diretamente nesses locais.

Em Valença e Região temos diversos casos de violência doméstica e até feminicídio, porém não vamos relatar casos para não expor as vítimas. A 33ª CIPM em parceria com o Ministério Público, OAB, Policia Civil, Secretaria Municipal Promoção Social e sociedade vem buscando e desenvolvendo ações pública para a prevenção e combate à violência de gênero, com Fóruns e debate, bem como ações ostensivas e judiciaria.

Segundo as Nações Unidas, as motivações mais comuns dos agressores envolvem sentimento de posse sobre a mulher, o controle sobre o seu corpo, desejo e autonomia, limitação da sua emancipação (profissional, econômica, social ou intelectual) e desprezo e ódio por sua condição de gênero. Sociedades machistas favorecem as agressões violentas a mulheres. Fatores como a classe social, a etnia da vítima, a violência no entorno e outros contextos sociais contribuem para a situação de risco e vulnerabilidade social de uma mulher.

No Brasil, as maiores vítimas do feminicídio são negras e jovens, com idade entre 18 e 30 anos. De acordo com os últimos dados do Mapa da Violência, a taxa de assassinato de mulheres negras aumentou 54% em dez anos. O número de crimes contra mulheres brancas, em compensação, caiu 10% no mesmo período.

O feminicídio é apenas a ponta do iceberg da violência contra a mulher e representa o desfecho mais extremo do problema. Segundo dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada hora, 503 mulheres acima de 16 anos foram agredidas em 2016. Isso representa um total de 4,4 milhões de casos. Os números podem ser ainda maiores, já que muitas mulheres não denunciam.

A Lei Maria da Penha é o primeiro ponto desse rol de medidas que devem ser tomadas pelo Estado. Reconhecida mundialmente como uma das melhores legislações que buscam atacar o problema e elemento importante para a desnaturalização da violência como parte das relações familiares e para o empoderamento das mulheres, a lei ainda carece de implementação, especialmente no que tange às ações de prevenção, como aquelas voltadas à educação, e à concretização de uma complexa rede de apoio às mulheres vítimas de violência.

A Lei n. 11.340/2006, Maria da Penha, é o principal marco jurídico na defesa da mulher. Antes dela, havia a ideia popular de que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Dessa forma, a sociedade entendia que a violência doméstica devia ser tratada no âmbito privado e representava um crime de menor potencial ofensivo. Também era comum a noção de que as mortes se tratavam de crimes passionais, motivados por razões de foro íntimo ou como resultado de distúrbios psíquicos.

A Lei Maria da Penha sofre alteração pela Lei 13.871/19 e acrescenta três parágrafos ao artigo 9º da Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006 e traz ao autor de violência doméstica ou familiar a obrigação de ressarcir todos os danos causados por suas condutas, como por exemplo, os gastos da vítima com médico particular. Mais não é só isso, o autor de violência doméstica ou familiar também será obrigado ao ressarcimento dos gastos com o SUS. Nesse último caso, o Estado poderá cobrar do agressor os valores gastos para o tratamento da vítima e os recursos obtidos serão destinados ao ente da federação que prestou o serviço de saúde.

Outro avanço da lei é que agora a norma estabelece que todo caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime, que deve ser apurado por meio de inquérito policial e remetido ao Ministério Público. A lei entende também que quando uma mulher está em situação de violência, é dever do Estado atuar para sua proteção. A Lei Maria da Penha tipifica as situações de violência doméstica. Ela inclui tanto as formas de violência física, como a doméstica (quando a agressão ocorre dentro de casa) e a psicológica, como calúnia, difamação ou injúria contra a honra ou a reputação da mulher. O agressor pode ter uma pena de 01 até 03 anos de prisão e o Estado determina o encaminhamento das mulheres e assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social.

Assédio, exploração sexual, estupro, tortura, violência psicológica, agressões por parceiros ou familiares, perseguição, feminicídio. Sob diversas formas e intensidades, a violência contra as mulheres é recorrente e presente em muitos países, motivando graves violações de direitos humanos e crimes hediondos.

Ainda que os resultados das propostas estejam longe de serem atingidos, a iniciativa convida a sociedade a repensar os estereótipos, as ideias pré-concebidas de papéis sociais denominados masculinos ou femininos e as crenças limitantes que inserem as mulheres em um grupo social inferior aos homens e sujeito à vontade destes. Ainda existe um abismo entre os direitos dos homens e das mulheres.

O feminicídio é grave e existe. Um dia difícil, o uso de drogas, o álcool, o ciúme, não são justificativas para a violência. A vítima nunca deve ser responsabilizada pela violência que sofreu.

Referências:

  • Ana Cristina Campos – Repórter da Agência Brasil Edição: Denise Griesinger.
  • Feminicídio - Brasil é o 5º país em morte violentas de mulheres no mundo. https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/feminicidio-brasil-e-o-5-pais-em-morte-violentas-de-mulheres-no-mundo.htm.
  • Jornal Correio da Bahia, matéria de 09-08-2019.
  • Diana E. H. Russell (nascida em 6 de Novembro de 1938) é uma escritora e ativista feminista.[1] Nascida e criada na Cidade do Cabo, África do Sul, ela se mudou para a Inglaterra em 1957, e depois para os Estados Unidos, em 1961.[1] Nos últimos 25 anos, ela tem se envolvido em pesquisas sobre a violência sexual cometida contra mulheres e meninas. Ela escreveu numerosos livros e artigos sobre estupro (incluindo estupro marital), feminicídio, incesto, assassinos misóginos, e pornografia. Por The Secret Trauma, ela foi co-recipiente do prêmio C. Wright Mills em 1986. Ela também recebeu o prêmio de Heroína Humanista em 2001 pela American Humanist Association.[2 ]

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