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E continua: “Após o mês interior de silêncio, ouviu enfim a voz do irmão ao telefone. Naruz passava o dia inteiro desbravando a floresta de seus batimentos cardíacos, cuidado das terras com uma concentração furiosa, galopando ao longo das margens lentas do rio, acompanhado por seu reflexo: sempre trazia consigo seu chicote, enrolado na garupa. Sentia-se terrivelmente envelhecido – e ao mesmo tempo tão novo diante do mundo quanto um feto ainda preso ao cordão umbilical. Aquelas terra, suas terras, agora marrons e húmidas como um velho odre encharcado de chuva, tinham poder sobre ele. Era tudo o que lhe restava – cuidar das árvores feridas pela geada, a areia envenenadas pelo sal do deserto, das águas repletas de peixes e gansos; dias inteiramente silenciosos à exceção dos suspiros e gemidos das rodas hidráulicas (...) carregadas pelo vento até os rincões mais distantes para novamente polinizar a história com a lembrança contagiosa do deus-soldado; ou o ruído da sucção dos búfulos negros enfiando as patas na terra mole dos canais. Então, à noite, o som assombro dos patos decolando na escuridão, emitindo gritos ansiosos ou satisfeitos – uma linguagem de viajantes. Espessa neblina, nuvens baixas através das quais auroras e crepúsculos irrompiam com esplendor sem igual, cada um o fim do mundo, uma agonia de ametista e nácar” (Pág. 254).

“E apesar de ensurdecidos pelo rugido inclemente, conseguimos isolar diversos dos sons que orquestravam o bombardeio. O crepitar dos estilhaços que caíam como uma tempestade de granizo sobre as telhas dos cafés da orla: as vozes mecânicas e rascantes dos sinaleiros dos navios, repetindo como bonecos de ventríloquo, frases quase ininteligíveis como ‘Três horas, vermelho; três horas, vermelho’. Estranhamente também era possível ouvir em mio à balbúrdia música em penetrantes quarto-de-tom; logo seguida pelo estrondo impressionante de prédios desabando. Manchas de luz desapareciam deixando um facho de escuridão lambido pela sede animalesca das chamas amarelas. Mais perto (a água sufocava o eco) escutávamos a saraivada dos cartuchos derramados nos conveses; uma cascata incessante de metal dourado que escorria dos canhões apontados para o céu”.

 

© Araken Vaz Galvão

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