Homenagem a Fidélis Negrão-Levi Vasconcelos

 

Oscar Niemeyer, o arquiteto de Brasília, dizia que “a vida é assim, cada um vem, dá o seu recado e vai embora”. E é claro que o recado tem hierarquia moral, oscila entre os muito bons e os péssimos.

Pois a despedida do amigo Fidélis Negrão para a outra banda deixa um bom alento para quem o conheceu de perto, podemos dizer sem sombras que está no time dos que deram o bom recado, especialmente por uma das suas qualidades maiores, a seriedade com o tempero da lealdade.

Cidades são palcos e cenários, nós os atores em cena, que fazemos os espetáculos, alegres ou tristes. Pois no espetáculo do meu tempo tive a honra de ter sido colega que virou amigo como vereador por seis anos de mandato, de 1982 a 1988, o meu único, com ele o primeiro dos quatro, até tornar-se vice-prefeito. Foi quando entendi com clareza o que é ser um bom caráter.

Certa vez numa festa na AABB eu discuti na porta com um diretor que me barrou. Desafiei ele dizendo que ia entrar. Bati na porta de Fidélis, quase em frente, perto da meia noite, contei a história e o desafio.

Ele não deu uma palavra. Vestiu a roupa e foi lá, calado, mandou eu aguardar, entrou, demorou um pouquinho, voltou, mandou eu entrar e deu a recomendação: 'Sem mais conversa sobre o assunto, viu?'.

Dias depois numa conversa, puxei o assunto. E ele:

— Já que você quer falar sobre isso, tenho a lhe dizer que a sua versão da história nunca me convenceu. Você foi atrevido mesmo.

— Fidélis, amigo. Você tem que entender que tudo na vida tem hierarquia moral, inclusive os pecados. Vai dos pecadinhos aos pecadões.

E ele, com o jeito sisudo que sempre ostentou:

— Eu espero que o senhor não ultrapasse os limites dos pecadinhos.

Daí seguiu uma intensa convivência, inclusos os filhos, Emerson, hoje uma das boas referências na cardiologia baiana, e Henrique, que preferiu o escritório de contabilidade do pai. Nos dois casos, uma enorme satisfação, presente divino, dizia o próprio, que muito se orgulhava deles.

Já na política o jeitão ranzinza, a fala direta e objetiva, sem delongas, para dizer se gostou ou não incomodavam. E por conta disso muitos não gostavam dele. Mas respeitavam. Prevalecia o fato dele ter sempre a mesma cara, a cara da alma, nunca duas.

Ele agora passa a integrar a galeria de pessoas queridas que vejo no Campinho, figurando entre os que, no jogo da vida, colecionaram muito mais acertos. Na última vez que nos encontramos, no São João deste ano, em Corte de Pedra, minha terra natal, me disse estar tudo bem.

Disse que ele visitava minha terra e eu iria visitar a dele, a nossa Cajaíba, ou Maricoabo, fazendo umas filmagens sobre a origem dos cajaibanos, em verdade holandeses que invadiram Salvador em 1605, perderam a para e se refugiaram cá. Ficamos de nos rever, não deu. Ou melhor, o reencontro fica para mais adiante.

Foi muita honra integrar o espetáculo do meu tempo com personagens desse quilate, uma figura do bem.

 

***Homenagem do jornalista Levi Vasconcelos ao ex-vereador e ex-vive-prefeito de Valença, o professor e contador Fidélis Negrão. 

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