janelas

Nasci em Valença em 1965 e em pouco menos de um ano mudamo-nos, eu, meu pai e mãe para outras paragens —Recife, Delmiro Gouveia, Petrópolis, Belo Horizonte.

Retornaríamos à cidade em 1970, agora com a família aumentada de mais uma cria, o meu irmão do meio —mais tarde mais uma vez acrescida de outro fraterno em 1976. Em 1979 fui cursar o final do período ginasial em Salvador —coisa muito comum naquela época se a família tivesse algum recurso e possuísse outros familiares na capital. Até que em 1980 tomei o rumo do meu exílio —em relação à Valença, é claro— juntando-me à família que já se encontrava, mais uma vez, em Recife.

Em Recife estou desde então... quarenta e três anos sem mais habitar a minha cidade natal, apenas retornando eventualmente. Mesmo estando agora quase que desprovido do meu ‘baianês’, aqueles nove anos de minha infância e início de adolescência, vividos em Valença, foram suficientes para formar um sentimento de pertencimento... uma origem. Um rumo, um percurso precisa de uma origem.

É bem verdade que agora tenho o coração partido. Uma parte está na Bahia, ou melhor em Valença —a Bahia é muito grande! Outra parte habita Recife —o coração encontrou com um outro e geramos um terceiro... raízes fincaram-se em solo Pernambucano.

Porém, meus eventuais retornos —mais ou menos frequentes— à cidade natal não têm me feito o bem que desejaria.

A deterioração física da cidade é muito mais evidente para quem dela está exilado. É bem verdade que, muitas vezes, a nostalgia e memórias do passado nos levam a rejeitar as transformações pelas quais qualquer cidade passa em seus anos de existência —umas se transformam mais e outras menos. Chamam isto de saudosismo. O problema é que eu não sou muito afetado por tal sentimento de melancolia. E explico: sou arquiteto há trinta e cinco anos. Tenho exercido a profissão na área de projetos de Arquitetura, de Urbanismo, Paisagismo, Desenho Urbano, além de ter me tornado Professor de Projeto Arquitetônico da Universidade Federal de Pernambuco há vinte e seis anos. Por isso digo ‘sou arquiteto’... eu não estou arquiteto.

Mas... e daí?!

É muito mais doloroso retornar à Valença como arquiteto —um arquiteto já envelhecido e batido nas batalhas em prol da boa Arquitetura, inclusive. O arquiteto aprende a falar através de seus espaços construídos... ou até mesmo de seus projetos. Os edifícios falam, e constituindo a cidade, ressoam na cidade que também fala. O arquiteto ouve e interpreta os sons mudos que emanam dos edifícios, das ruas, esquinas e praças da cidade. E eu não escuto mais a cidade de Valença cantar. Eu escuto um pranto... miúdo, triste...

Valença é uma cidade em plena decadência urbana.

Acredito que seja resultado de uma sequência infeliz de gestões públicas ineficientes, somada a uma população aparentemente transformada num conjunto de descrentes para com o destino da cidade; cada vez mais preocupados em otimizar as suas vivências individuais e privadas. A cidade fala e chora mostrando-me a perda do sentimento público e coletivo de pertencer a um lugar e a uma comunidade...é a minha visão e percepção de arquiteto e de valenciano.

A aparência de Valença —sua arquitetura e espaços públicos—, atualmente, fala de tristezas, descrenças, descaso. É fácil apontar as gestões administrativas como causa inicial, pois de fato, colaboraram bastante. Mas até que ponto o desânimo e a frustração de cada cidadão, hoje — mesmo que respaldada pela gestões infelizes—, também não tem colaborado para tal?

Valença vive um processo que poderia ser representado pela figura mitológica da serpente que engole o próprio rabo —o Ouroboros. Na sabedoria chinesa isto representa evolução, transformação, renovação, DESTRUIÇÃO...

Se Valença está num processo de autodestruição para se renovar... menos mal. Todavia a que custos e a que tempo?

Usando de uma visão estóica, poderíamos nos acalentar com o seguinte pensamento: toda crise traz em si mesmo a sua solução, dependendo apenas do modo como a encaramos. Se a vemos como um desafio e um teste, a superaremos mais fortes e íntegros do que antes éramos, renovados. Se a recebemos como a última trombeta do apocalipse... sucumbiremos aos nossos medos e aí a destruição se estabelecerá de fato... a serpente terá engolido a si própria.

Não acredito em soluções para Valença vindas apenas de uma boa administração municipal, onde a população sempre exercerá o cômodo papel de esperar, apontar e criticar como se tudo fosse possível apenas pela mão do Poder Público —para mim, o grande mal de nós brasileiros. Isso não dará certo, ao meu ver.

Os empreendedores privados —grandes, médios, micro e pequenos— precisam participar ativamente, assim como, e especialmente, a população: a gente de Valença; como agentes valentes de Valença. Todos valendo e fazendo Valença.

Cada cidadão precisar entender e assumir uma simples regra de conduta individual para com a sua cidade, para com Valença: eu não habito apenas a minha casa... a cidade é a minha casa e a minha casa é a cidade. Isto pode fazer a grande diferença... isto pode, ao seu tempo, renovar, inovar e valer Valença.

 

*Sobre o autor Luciano Lacerda Medina

 

—Arquiteto formado pela UFPE em 1988
—Mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE em 1996
—Doutor em Desenvolvimento Urbano pela UFPE em 2018 

Como arquiteto consultor já elaborou projetos públicos — edifícios, planos urbanísticos e de desenho urbano — e privados — habitação, comércio e serviços. Participou de concursos nacionais e internacionais de arquitetura, tendo recebido premiações: 

—1º. Lugar Prêmio Armando de Holanda Cavalcanti, Categoria Profissional, Concurso Regional do CAU-PE, 2018

—1º. Lugar no Concurso Nacional de Anteprojetos para o Centro Cultural Tacaruna, em Recife, Pernambuco, Brasil, com a A&R Arquitetos, 2002;

—1o. Lugar no Concurso Nacional de Anteprojetos para o Fórum do Recife, em Recife, Pernambuco, Brasil, com a A&R Arquitetos, 1997;

—Menção Honrosa Concurso Nacional ‘Prêmio IAB-Caixa 2004’, para habitação, Categoria Profissional, 2004;

—Menção Honrosa no Fórum Mundial dos Jovens Arquitetos, na Bienal Internacional de Arquitetura de Olinda, com outros arquitetos em equipe para a Urbanização do Parque dos Manguezais do Recife, Pernambuco;

 Foi vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil de Pernambuco —IAB.PE— de 2009 a 2010 e coordenou em 2011 o Concurso Nacional de Ideias para o Parque da Tamarineira, em Recife.

 

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.