Os 50 jovens da turma de atiradores 2018 do Tiro de Guerra de Valença (TG 06-005) participaram de solenidade de matrícula no último dia 24 de março. Esta é a segunda turma sob a responsabilidade do instrutor Subtenente Ivonei Araújo dos Santos, que formou sua primeira turma de atiradores no final do ano passado.

Nesta entrevista exclusiva, o comandante do Tiro de Guerra, Subtenente Ivonei Araújo dos Santos ressalta a importância da instituição na manutenção dos valores familiares, educacionais e sociais. Conta também detalhes sobre o processo realizado na instituição, desde a seleção dos jovens até a participação das famílias no andamento da formação. Confira.

Qual a importância da formação desses jovens que passam pelo Tiro de Guerra pra sociedade de Valença?

A importância da formação desses jovens para a sociedade valenciana é justamente pelo fato de passarmos para eles os valores e as virtudes militares, resgatando o que outrora foi perdido, que é um pouco do civismo e da cidadania. Formamos cidadãos diante dos seus direitos, mas principalmente dos seus deveres, aqui a gente trabalha muito isso, a questão do civismo, da cidadania, do respeito aos símbolos nacionais, às autoridades instituídas e constituídas. Creio que esse tipo de trabalho faz uma mudança drástica na visão de mundo desses jovens.

Como o senhor avalia esses jovens quando chegam para adentrar ao Tiro de Guerra, a título de conhecimentos básicos?

A seleção dos jovens começa desde o momento em que ele faz o alistamento. Daí então, eles passam pelos primeiros crivos de seleção, entre eles a questão de localidade da moradia, quem mora na zona rural fica impossibilitado por causa da distância; quem é arrimo de família [sustenta família] o sistema também dispensa. Os primeiros selecionados seguem aqui para o TG e passam por uma seleção diretamente pelo chefe de instrução, e nessa seleção um dos pontos básicos que eu vejo como principal é a entrevista, é nesse momento que a gente consegue conhecer o jovem, e infelizmente, nessa conversa com o jovem, a gente percebe muita deficiência na parte cultural e educacional, muitos jovens chegam aqui com ensino médio completo, mas na verdade o conhecimento que passam pra gente não reflete o seu grau de formação, então muitos jovens que vem aqui, estão com um preparo deficiente.

O TG, além de trabalhar a disciplina, trabalha muito com a motivação, mostrando pra esses jovens que eles têm condições de alcançar os seus objetivos. Da turma que se formou em 2017, a maioria dos jovens está focada em concurso, muitos estão se identificando com a carreira militar, e outros com outras áreas, e o incentivo aqui dentro é diário, é constante.

A sociedade percebe o Tiro de Guerra em duas vertentes, a primeira é a questão do despertamento do cidadão para seguir a carreira militar, e a outra é a formação de multiplicadores de valores e princípios para que esses jovens possam oxigenar as localidades as quais estão inseridos socialmente. Em sua opinião, como corrigir a dificuldade que a sociedade tem hoje de educar os jovens?

Primeiramente gostaria de frisar que essa é uma dificuldade a nível nacional, não é apenas aqui.  Eu entendo que é necessário um investimento mais incisivo na Educação, ponto básico, e não apenas na educação de sala de aula, mas no acompanhamento constante desses jovens, na cobrança, na reprovação. Penso que antigamente funcionava, hoje a gente faz perguntas básicas para os jovens e eles já não lembram mais. Ontem durante uma reunião fiz perguntas básicas referentes à geografa do Brasil, e pasmem, a grande maioria não conhecia as capitais, os estados, as regiões, coisas básicas.  Então, o que está faltando, além do ensino, é o acompanhamento, ensinar o caminho pra eles alcançarem o conhecimento.

Esses jovens que foram as turmas de atiradores do Tiro de Guerra, eles vem espontaneamente porque tem sede e curiosidade de adquirir essa formação, ou vem por uma necessidade jurídica, pela exigência da documentação que ele necessita pra sua continuidade enquanto cidadão?

Na turma de 2017, que iniciamos com 50 jovens e formamos 46, já tivemos um número grande de voluntários. Dentre os que compareceram para a seleção geral no ano passado, uma média de 500 jovens, dos 100 que voltaram para a seleção complementar aqui, 44 eram voluntários. Este ano, já tivemos um número maior, 47 voluntários. Então percebo que os jovens vêm justamente com essa sede, com essa vontade, eles veem o Tiro de Guerra como uma forma de estar retribuindo à pátria - palavras deles – tudo aquilo que eles são e que recebem, eles querem vestir a farda do exército, ter esse reconhecimento da sociedade de que agora ele integra uma instituição que é reconhecida e respeitada a nível federal, isso pra eles é orgulho, é prazer. O que leva muitos a não serem voluntários, é o fato de não conhecer o trabalho aqui dentro, a partir do momento que eles entram e conhecem, eles já não querem mais sair.

Ivonei, existe um ponto interessante que o senhor deve sentir com muita veracidade que é a questão do limite. Quando o aluno chega aqui o senhor deve perceber nele algumas dificuldades em cumprir ordem e obrigações. Como o senhor avalia as famílias hoje da nossa sociedade, como está o conhecimento e a preparação das famílias na sociedade com relação aos limites dos seus filhos?

Eu sou feliz pelos jovens que tem chegado aqui com relação à educação familiar que é a base, eles já chegam aqui preparados. Com relação à disciplina, a hierarquia, isso a gente tem que trabalhar, até mesmo porque é uma mudança drástica de atitude, de comportamento, agora o jovem não vai ouvir apenas o pai e a mãe, a quem eles ouviam e obedeciam, agora vai ter um terceiro que ele nunca viu e vai ter que dizer ‘sim senhor’, ‘não senhor’, e que muitas das vezes vai ser mais rigoroso que os pais.

assinaturaA primeira atitude que eu tive aqui, tanto no ano passado quanto nesse, é realizar uma reunião com os pais, primeiro para parabenizar pela seleção dos filhos deles, por terem passado numa peneira bem concorrida. Houve uma seleção criteriosa, e esses que aqui ficaram, foi porque apresentaram características peculiares que tem a ver com a carreira militar, e tudo isso é fruto da educação dos pais. Na minha conversa com os pais, deixei claro minha forma de pensar, não sou nenhum ditador, mas eu sempre penso que pai e mão antes de ser amigo, tem que ser pai e mãe porque estão numa hierarquia vertical. Quando nós nos consideramos como amigos, nós nos colocamos numa hierarquia horizontal, estamos no mesmo limiar, mas quando a hierarquia é vertical, alguém está em cima e outro embaixo, não para pisar, mas para olhar e respeitar. Muitas das vezes, os pais querem ser apenas amigos e esquecem de ser pais, esquecem de dizer não no momento necessário, de dar o puxão de orelha, de impor o respeito. Se você for um bom pai, se seu filho te olhar como espelho, ele vai te respeitar, e consequentemente vai ter você como melhor amigo.

 

O senhor acredita que o processo educacional de formação desses jovens contribui também pra um aprimoramento educacional das famílias nas suas residências?

Certamente. A família participa, e vou mais além, a família tem uma formação tanto quanto os jovens, têm algumas famílias que são participantes ativas nas atividades do Tiro de Guerra. Ano passado mesmo, se não fosse a participação dos pais não teríamos o brilhantismo que tivemos na formatura dos atiradores, grupos de mães fazendo bazar pra arrecadar verbas, tudo com iniciativa própria, sem gerência nenhuma do Tiro de Guerra, e graças a Deus foi uma festa muito bonita com custo de 20 mil reais. Esse ano, da mesma forma, os pais estão organizados, já marcaram reunião para definir a estratégia de trabalho para arrecadar essa verba, assim os pais acabam participando da formação.

 

Outro dia eu cruzei na sociedade com três adolescentes que tinham três filhos e davam a impressão que não eram casadas. A consequência é que essa criança possa ser transformada em jovens rebeldes e, esses jovens se for passar por um crivo e sistema de avaliação do Tiro de Guerra eles não conseguiriam uma aprovação pelo nível de rebeldia ao qual ele vai ser conduzido, de liberdade, sem princípios e sem valores. Na sua avaliação, como a sociedade deve ou pode contribuir com um melhor despertamento para com esse tipo de situação, ou como a sociedade deve se estruturar para dar apoio a esse tipo de situação?

O processo de seleção é bem criterioso, envolve uma série de coisas, entre as que já citamos como o local de residência, arrimo de família. Outro fato que pode vir a dispensar um jovem é o seu grau de escolaridade. Rebeldia, outras coisas a gente vai trabalhar tudo isso durante o ano de formação, portanto um jovem rebelde pode vir a ser matriculado também. O que a sociedade pode fazer para amenizar esses problemas, volto a bater na tecla da educação, um trabalho educacional contínuo, o acompanhamento desse jovem além do muro de escola, o apoio familiar dentro das possibilidades para o rendimento do jovem na escola. Eu vejo que a solução pra isso vem da base educacional. Muitas das vezes, os pais também passaram por problemas, o que pode ser o caso dessas jovens, pois se ela está numa situação dessas, certamente não teve o preparo dentro da família, educação, planejamento familiar, tudo isso vem a ter um efeito cascata. Se não começou da forma correta, vai se desencadear dessa forma, agora se conseguir verificar o ponto inicial onde houve a ruptura do correto e corrigir, dali pra frente consegue se acertar e pra tudo isso tem a educação.

 

A sociedade é formada por vários pilares, e tem alguns pilares estruturais dessa sociedade que são os clubes de serviço como a Maçonaria, o Rotary Club, o Lions Clube. De que forma esses clubes poderiam também contribuir com relação a esses princípios, esses valores, a prática e o exercício do despertamento do limite, principalmente na sociedade.

Esses clubes, essas instituições e entidades que trabalham com fins filantrópicos tem a visão de ajudar, são de grande importância, e se constituem de ferramentas muito importantes para serem trabalhadas por serem formados de homens de bem, homens pensantes, homens de uma trajetória que é admirada pela sociedade, então através dessas pessoas que compõem esses clubes, essas instituições, dá para se fazer grandes trabalhos de incentivo aos jovens. Dá para envolver a juventude, criar clubes voltados para os jovens. Um trabalho que eu vejo que não tem aqui em Valença, mas que acho muito importante e já participei, é o trabalho do escotismo, um trabalho excepcional que trabalha a criança da base, e aos poucos vai passando valores, disciplina, respeito, civismo e cidadania, consegue tirar a criança da frente da televisão, da frente do computador e trazer pra uma atividade dinâmica. Diversos clubes podem fazer um trabalho desse tipo, uma ideia é realizar palestras incentivando o culto aos símbolos nacionais que infelizmente hoje está perdido.  Esse é um trabalho que o Tiro de Guerra faz junto às escolas e que também pode ser desenvolvido por esses clubes porque são formados de homens pensantes, que tem muito conhecimento a ser transmitido.

 

De que forma esses jovens que se formam no Tiro de Guerra podem ser melhor aproveitados, porque nós percebemos que depois que esses adolescentes são formados, eles não são aproveitados na sociedade por essa formação de excelência que ele recebeu aqui. Como melhorar isso?

O não aproveitamento dos jovens que passam pelo Tiro de Guerra é um ponto que nos deixa muito tristes, porque os jovens que passaram por aqui tiveram uma formação diferenciada. É um jovem que você vai ver nitidamente nele, a capacidade de liderar, de cumprir ordem e, principalmente, cumprir horário e ser responsável. Aqui a gente consegue desenvolver nesses jovens esse tipo de conduta, e uma vez que eles são formados, a sociedade apenas aplaude, mas os jovens continuam aí fora, a grande maioria sem emprego, sem ser aproveitado. Tivemos um dos destaques aqui do Tiro de Guerra que teve que ir embora pro Espírito Santo porque fazia faculdade de Fisioterapia, mas estava desempregado e não tinha como arcar as despesas, nem seus pais tinham condições de ajudar, então ele teve que ir porque lá tem uma tia que ia conseguir alguma coisa pra ele trabalhar e dar continuidade aos estudos.

Eu vejo que esses jovens poderiam ser aproveitados sem setores tanto da administração pública, quanto do segmento privado. Aqui nós temos banco de dados com todas as qualificações, especificações, conhecimentos dos jovens e tem como nós indicarmos aqueles que são destaque, interessante seria que empresas, comércio, a própria administração pública buscasse aqui com o Tiro de Guerra essas indicações. Vou mais além, não apenas apoiando após a saída do jovem, mas também nesse período que ele está aqui. O atirador não ganha nada, o serviço militar é obrigatório, porém não é remunerado porque o tempo que ele fica aqui é apenas duas horas, das 5h às 7h, no entanto eles têm custos com corte de cabelo, material de higiene pessoal, transporte, entre outros. Se conseguíssemos ter esses jovens num estágio ou proporcionar algum tipo de pra manter eles aqui. É uma ideia que seria interessante ser colocada em prática, isso depende de interesse, principalmente das autoridades do executivo municipal e também dos empresários e comerciantes locais.

 

Vivemos no Brasil hoje um momento de grande desequilíbrio na política por falta justamente desses princípios e desses valores. Mas, se aplicasse os princípios e os valores de formação básica ao qual uma sociedade saudável tem que ter, certamente os políticos não teriam o comportamento e a atitude que tem hoje. Como a gente conseguir oxigenar esse processo político, uma vez que, até exemplo, o Tiro de Guerra não é aproveitado na sociedade.

Com relação à utilização desses jovens, eu vejo eu não há nenhum problema e nenhuma dificuldade, o interesse principal deve vir da própria administração pública de dar uma oportunidade a esses jovens, até mesmo porque para os jovens aqui no Tiro de Guerra, no exército como um todo, a ascensão é meritória, nada por indicação ou por apadrinhamento, mas por mérito, o crescimento dentro das Forças Armadas é pela meritocracia. No mundo civil, a hierarquia e a disciplina ela não é exercida da forma como os pilares nas Forças Armadas, porém também é feito por homens de bens, homens centrados, competentes. Infelizmente, a gente vislumbra em alguns setores, pessoas que não eram as mais indicadas para estarem ali, e vemos que do lado tem alguém de uma competência extraordinária que está sendo subutilizado ou mesmo de fora. Poderíamos mudar essa forma de agir e ter a pessoa certa no lugar certo.

 

O Tiro de Guerra dá uma contribuição social através da formação de turmas anualmente e retorna para a sociedade para que esses cidadãos apliquem esses conhecimentos, e a sociedade em contrapartida tem que estar próxima ao Tiro de Guerra pra verificar até de que forma mantê-lo para que ele continue vivo na sociedade, desenvolvendo o seu papel. Que tipo de necessidade ou carência que o senhor tem da sociedade valenciana pra essa manutenção desse ciclo permanente?

O Tiro de Guerra existe através de um acordo de cooperação entre município e exército brasileiro, esse acordo é renovado a cada quatro anos. No acordo de cooperação tem as responsabilidades de cada um dos partícipes do acordo, o exército entra com o instrutor, fardamento, armamento, munição e o município entra com as demais necessidades, construção, instalação, mobiliário, material de expediente, alimentação.  Parte da necessidade do Tiro de Guerra, a gente tem sempre esse retorno da prefeitura. Porém, a gente sabe que o país como um todo está passando por uma crise econômica, então tem algumas necessidades que infelizmente o município se vê impossibilitado de atender no momento, então seria interessante contarmos com o apoio de entes privados. Desde o ano passado estou buscando a manutenção da nossa quadra poliesportiva que pode ser utilizada até pela própria comunidade, servir para as crianças fazer aulas de vôlei, basquete, futebol, só que necessita de uma manutenção, desde o melhoramento do piso, da pintura, da marcação, alambrado, refletores. Isso é uma das responsabilidades do município só que também reconheço que há uma deficiência pela atual crise, então não vou culpar o município por não ser atendido, mas a minha parte eu sempre faço, estou sempre solicitando, mas acho que a sociedade poderia estar apoiando, os empresários poderiam ter uma visão mais voltada pro Tiro de Guerra e estar mais próximos.

 

Seria importante então que a sociedade estivesse mais atenta e presente para que não venha correr risco do exército ou do município não renovar uma pactuação e Valença perder o Tiro de Guerra na cidade?

Com certeza. Essa renovação ocorre esse ano, o trâmite já foi todo acertado com o secretário de administração e a intenção do município é permanecer, então o Tiro de Guerra permanece em Valença.

 

Suas considerações finais

Gostaria de reforçar aqui a excelência dos jovens aqui de Valença, o trabalho desenvolvido desde a turma de 2017, minha primeira turma enquanto chefe de instrução, e essa turma de 2018 que caminha seguindo os mesmos passos e eu tenho certeza que teremos um excelente resultado. Quero aqui chamar a atenção da comunidade valenciana que volte os olhos um pouco mais pro Tiro de Guerra. O TG faz parte da sociedade, não é um local fechado, ele está aberto, o exército é aberto à sociedade. Eu vejo o Tiro de Guerra como um dos cartões-postais da cidade. Então, a ajuda da sociedade como um todo é imprescindível para mantermos essa excelência, esse padrão que é o Tiro de Guerra de Valença, único TG construído para essa finalidade que tem, além da beleza estrutural, essa beleza natural que nos rodei. Então, é interessante que a sociedade também participe, não apenas os pais dos atiradores, mas toda a sociedade, os empresários, os comerciantes, que todos possam estar mais atentos as nossas atividades. O TG desempenha não apenas atividade de formação do atirador, mas atividades sociais, o exército tem um trabalho excepcional nessa parte de comunicação social pra incentivar, até mesmo pra quebrar o paradigma de que o exército é malvado, que faz o jovem sofrer, não existe nada disso, temos que exterminar esses mitos negativos, não é a realidade que vivemos aqui. Aqui prezamos principalmente pelo bem estar e pelo respeito do cidadão.

 

Gostaria de agradecer essa oportunidade que pra mim é salutar podermos falar um pouco do Tiro de Guerra, da sua importância que muitas pessoas não conhecem, ou se conhece é de forma deturpada. É de grande importância essa ferramenta de acesso ao cidadão valenciano para esclarecer e informar a sociedade.

Jornal Valença Agora, edição 675

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