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A chamada Guerra Fria – cujas consequências nefastas e ideologia cínica estamos vivendo até hoje – foi uma das situações mais estúpidas que a humanidade já viveu desde que saiu das cavernas. Relacionar o comportamento repleto de cretinice[1] daquele período seria equivalente a se escrever uma enciclopédia. Por esta singela razão é que vou tomar somente um exemplo. O caso de Mikhail Sholokhov (1905-1984), romancista soviético autor da tetralogia “O Don Silencioso”, que chegou a ganhar o Prêmio Nobel de literatura. O que não significa grande coisa, pois este prêmio foi fartamente manipulado não só pela Guerra Fria, como analisava as obras literárias a luz de um tacanho conceito eurocentrista.

anuncie_agoraNão seria de se assustar que a outorga deste prêmio, em 1965, tivesse o oculto objetivo de que Sholokhov[2], que já tinha recebido o Prêmio Lenin, saísse da “Cortina de Ferro” para ir receber os milhões na Suécia, recebendo da CIA mais alguns estipêndios, por debaixo do pano, desertasse do “inferno stalinista” (embora este já estivesse morto) e fosse gozar as benesses do paraíso capitalista, com licença da má palavra. E isso significaria uma grande vitória do “mundo Livre” (outra vez “com licença da má palavra”), resultando em uma grande propaganda.

Não sei – tampouco interessa para o modesto alcance deste trabalho – se Sholokhov teve licença para sair da então União Soviética e se chegou mesmo a receber aquela dinheirama toda que significava aquele prêmio. Creio que sim, mas não ouviu o canto da sereia capitalista por N razões ou até mesmo por ser surdo ou que o KGB tivesse entupido seus ouvidos com cera. Naquela época, como ocorrer hoje, não acompanhava o desenrolar daquele prêmio – como o faço até hoje com o Oscar –, por sabê-lo uma falácia.

O que intuí foi que ali tinha tido dente de coelho, e dos grandes, porque uma intensa campanha contra aquele escritor foi desencadeada, culminando com a acusação de que sua tetralogia era um plágio, denúncia feita ou endossada pelo tristemente célebre escritor Alexander Soljenítsin (1918-2008), da qual a maioria da imprensa[3] brasileira fez ruidoso coro.

Recentemente, os mesmos caluniadores, ou seja, aquele que chamaram, à distância e sem provas, Sholokhov de plagiário, passaram a reconhecer, isto depois que ele estava morto, que “a luz de modernas técnicas de comparação de escrita” que a obra era mesmo da autoria dele. Nessa época, a Guerra Fria tinha oficialmente declarada extinta o escritor, como disse, já estava morto, a maioria dos seus leitores idem, bem como o célebre Soljenitisin, que já devia fazer estágio no GULAG do Diabo, para todo e sempre.

Feita esta introdução, passo a informar que a obra de Sholokhov, que eu tomara conhecimento em espanhol – do exílio trouxera os seus quatro volumes –, tem por título “O Don Apacible”, para que o mesmo sucede em francês. Em português, porém, o título é O Don Silencioso, o que pode dar margem a outras interpretações. Recentemente, quando decidi a adquirir a obra em português, descobri, por outros meios, que o sentido do título, no original seria “o Don (o rio) flui silencioso”. Este importante rio, um dos maiores da Rússia, com cerca de 1 950 km, é um típico rio de planície, ou seja, da estepe, como lá é chamada, sem corredeiras ou com poucas. Daí o sentido poético de o rio fluir silenciosamente, enquanto a vida dos ribeirinhos transcorre, muitas vezes, de modo agitado.

Aliás, não me vou estender, falando muito agora de uma tetralogia, cujo primeiro tomo comecei a ler agora. Refiro-me a versão em português, porque o que li em espanhol passou-se mais de 40 anos. Por esta razão, contentar-me-ei em tecer algumas considerações apenas sobre o título da obra, com a intenção de tentar demonstrar como um simples título pode sugerir ocultas informações ou sugestões ou ironias as quais só um leitor atendo, além de sensível, pode detectar. Registrei, linhas passadas que lera uma informação de que o verdadeiro sentido do título “O Don Silencioso”, era: O Don flui silencioso ou silenciosamente. E mais, especulei que enquanto o rio fluía silenciosamente, por ser um plácido rio de planície, os ribeirinhos, habitantes daquelas ermas plagas – afinal os seres humanos são o que conta em qualquer obra, literária ou não –, viviam conflitos (e isso ficava evidente logo nas primeiras páginas), como sói suceder com todo agrupamento humano.

E esta especulação levou-me lembrar a outros sugestivos títulos de importantes obras, fossem ela da língua portuguesa ou de hábeis traduções. Pensei logo em “O Vermelho e o Negro” de Stendhal; em “Mar Morto”, de Jorge Amado[4]; “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo[5]; E tantos outros que poderia citar agora.

Veio-me, então, o título de uma obra de um jovem escritor português, Nuno Camarneiro, “Em meu peito não cabem pássaros”, cujo sutil sentido era o de uma pessoa adoentada com uma dessas chiadeiras de peito, que nós, no sertão chamamos de puxeira e o portador da dificuldade de respirar de puxeirento.

O livro, sua trama não é o de uma obra-prima, mas a de um livro razoável (quase bom), no entanto a analogia do barulho dos pássaros, pardais, opor exemplo, ou filhos chamando as mães na hora da alimentação, era um feliz achado.

Foi então que me lembrei de outro livro de um escritor também português, obra bastante modesta, mas cujo título era antológico: “O Amor é Fodido”;pensei então que aquela afirmação era uma verdade insofismável. O amor era mesmo fodido. Quem já amou com ardor e paixão e, particularmente, se não foi correspondido, sabe que ele é mesmo fodido. MESMO!

Valença, BA, 09 de maio de 2016

© Araken Vaz Galvão

 

[1] Só não digo dos dois lados por este tipo de afirmação nada mais é do que uma atitude cretina e covarde de quem tem medo de declarar sua verdadeira posição. Neste caso específico da Guerra Fria somos obrigados, a bem da verdade, dirigir nossas pequenas simpatias não para aqueles que a começaram, mas para os que se defenderam, não importa que também de modo cretino.

[2] Não é possível se chegar a conclusão qual a forma correta de se escrever em português os nomes russos, salvo em Portugal, porque aqui no Brasil, onde impera a anarquia da sintaxe, a maioria (não todos) fez a opção de adotar a forma usada no inglês. O exemplar que tenho está escrito Mikail Cholokov e com as duas grafias usadas neste “Ensaio ou Quase”, encontra-se no Google. .

[3] Não é de hoje, pois, que esta imprensa se mantém a serviço do Império e da sua CIA.

[4] Amado foi outro autor brasileiro cujos títulos, alguns, pelo menos, formam marcantes, como, por exemplo, “Terras do Sem fim”, Gabriela, Cravo e Canela”.

[5]Existem vários títulos marcantes na obra de Veríssimo, como, por exemplo, um livro destinado à juventude, cujo título é: “Viagem à aurora do mundo”, obra que impressionou a minha infância, quando a leram para eu ouvir, ocasião em que eu, menino do sertão, ouviria, pela primeira vez, falar de dinossauros.

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