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Meu dileto amigo, Alfredo Gonçalves de Lima Neto – que Melpômene, a musa da poesia (e, por extensão, das letras em geral), emprestou à Santa Casa de Misericórdia de Valença, para cuidar das crianças –, escritor dos mais brilhantes e constantes de nossa cidade, sendo figura de destaque da constelação da qual ainda fazem parte: Amália Grimaldi, Carlos Magno (temporariamente ausentes de Valença, pelo menos esperamos isso), Moacir Saraiva, Rosângela Góes, Otávio Mota, Maria Raimunda de Almeida Silva (Raimundinha), Maria do Perpétuo Socorro Magalhães da Silva (Perpetinha), Mustafá Rosemberg, Ivanmar de Queiroz, Pedro Geraldo, Ângela Mérice, Ricardo Vidal, Luís Cláudio, além de outras estrelas de igual grandeza... Não nos esquecendo da inesquecível Macária Andrade e de Edgar Otacílio, que devem estar alegrando o céu, já que eles acreditavam nesta possibilidade.

Bem, creio ter citados todos, sem cometer esquecimentos injustos. Desejando com isso dizer que o meu amigo Alfredo gosta de citar a conhecida máxima que afirma ser a criação literária o resultado de 10 % de inspiração e 90% de transpiração, sentença que é atribuída a muitas pessoas, mas que é uma verdade que acredito piamente, a qual despertei esta manhã (08/Jan./2016) com ela na cabeça, devido a uma questão trivial e, até certo ponto, com muito pouca relação com esta verdade inconteste. E vou aproveitar a oportunidade para escrever meu ensaio de hoje.

Recordei-me da letra de uma música, “Cabelos Brancos” – os quais não os tinha quando gostava de ouvir rádio –, de Marino Pinto e Herivelto Martins,composta no ano de 1949, das inúmeras do meu tempo de jovem que me lembro a letra, quase todas de cariz romântico, que dizia: “Não falem desta mulher perto de mim!/ Não falem pra não lembrar minha dor!/ Já fui moço, já gozei a mocidade/ Se me lembro dela me dá saudade/ Por ela, vivo aos trancos e barrancos/ Respeite ao menos meus cabelos brancos/ Ninguém viveu a vida que eu vivi/ Ninguém sofreu na vida o que eu sofri/ As lágrimas sentidas,/ o meu sorriso franco/ Refletem-se hoje em dia/ nos meus cabelos brancos/ E agora, em homenagem ao meu fim/ Não falem desta mulher perto de mim”.

Vejam a curiosidade do fato. Naquele tempo tinha os cabelos castanhos, nenhum fio branco, por certo, pois nem tinha ainda conhecido o amor arrebatado que todos os jovens conhecem ou acreditam viverem, pois tinha apenas 13 anos, época em que todos os amores são... Como direi? Ah! Platónicos.

Não sei se é porque minha mulher foi para Vitória do Espírito Santo, ontem, buscar os netos, e que esteja sentindo muita saudade dela – constatando a falta que ela me faz –, inclusive por hoje ter a cabeça coberta de cabelos brancos, que minha jovem e querida amiga Jamile, com sua ternura inata, chama de algodão doce –, não sei por qual misteriosa razão, mas acordei com a letra da música na memória, e vendo o contrassenso de lembrá-la com tanta insistência agora, quando o que desejo é justamente que Juscy chegue de sua caminhada matinal para que eu tenha alguém para falar sobre Euzedir, ou seja, “dessa mulher (que devia estar) perto de mim”.

Vivendo esta contradição ou sentindo este contrassenso, lembrei-me também de outra letra de música, já que um assunto puxa outro, “Cabelos Cor de Prata”, que, vejo no Google, é uma canção de Silvio Caldas e Rogaciano Leite, do ano de 1951, a qual muito gostava, talvez por meu verde espírito romântico, cuja letra tinha alguma relação com a outra, ou seja, falava do que eu não tinha: cabelos brancos. Senão, vejamos: “Meus cabelos cor-de-prata/ são beijos de serenata/ que a lua mandou pra mim./ Os meus cabelos grisalhos/ são pingos brancos de orvalho/ num tinteiro de nanquim./ Estes meus cabelos brancos/ que hoje são da cor dos bancos/ solitários de um jardim,/ já sentiram muitos dedos/ e ouviram muitos segredos/ que elas contavam pra mim.// Se hoje, estão desbotados/ é porque foram beijados/ com muito amor e emoção/ E os beijos foram tão puros/ que os meus cabelos escuros/ estão da cor do algodão./ Eu fiz tanta serenata/ que a lua, desfeita em prata,/ mandou mil beijos pra mim./ E os beijos foram tão puros/ que os meus cabelos escuros/ ficaram brancos... assim!”

Transcrevo esta longa, e bela, letra, porque, inclusive, aqui vem outra contradição. Gostava muito de ouvir esta canção, na voz de Sílvio Caldas – inclusive cheguei a conhecer,uma velha e naturalmente acabada – que fora uma de suas namoradas, isso quando comecei a ir ao Espírito Santo – e, coisa dolorosa – pensava muito como aquela mulher já com a pele carcomida, como a minha se encontra hoje, despertara paixão em um mito como Sílvio Caldas, ainda que, naturalmente ela fosse uma bela jovem. Devia – penso eu – ter sido. Sabia, mas me negava a aceitar a crueldade da vida, ao nos envelhecer, pois não tinha dúvida que aquela mulher fora bela um dia. Mas, como chegara àquele estado?

Bem, divagações a parte, o certo é que eu amava aquela música (melhor seria dizer aquela letra), pois, constatei mais tarde, as músicas em si não me diziam muito naquele tempo. As letras eram a minha paixão, ou seja, o foco de minha atenção. Ademais, era desafinando[1], nunca fizera serenatas e nem poderia fazer, uma vez que se cantasse espantaria para sempre o foco da minha homenagem. Acho que nem se hoje e nem mesmo a Euzedir – que me tolera com abnegação – toleraria. Se eu fizesse uma serenata para ela, imagino que ela quebraria o violão (ou outros instrumento qualquer) em minha cabeça.

Com isto, por esta referência, vou citar mais uma letra de música, uma vez que este texto está composto quase que exclusivamente com elas, pena que do tempo antigo, que os jovens não ouvem mais. Mas, como temos em nossa cidade pessoas de uma idade mais avançada, vai lá que elas também se lembrem de seu tempo de mais jovem e sintam uma salutar saudade do que já foi e não volta mais.

Vamos então a letra – a última, juro! – de Serenata, de Haroldo Lobo/David Nasser, composta no ano de XXXX, cuja letra diz:“Eu fiz serenata pra ela,/ Cantei uma linda canção,/ Ela não veio à janela,/ Quebrei meu violão.// Na rua,/ A lua,/ Sorrindo assistiu o meu fim,/ E ela, não veio à janela,/ Não teve pena, de mim.”

Bem agora acho que está na hora de colocar a viola no sado e cantar (sempre muito desafinado) em outro lugar.

 

Valença, BA, 07 de janeiro de 2016.

 

© Araken Vaz Galvão

[1] Ainda que, mais modernamente, alguém disse que “no peito de um desafinado também bate um coração”, ainda que o faça – digo eu – fora de ritmo, o que deve ser a causa das muitas arritmias existentes.

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